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Crédito: Afumeca, Associação de Futebol de Mesa de Cascavel, PR. Vale a pena acessar o blog para conhecer a história do futebol de botão. http://afumeca.blogspot.com |
Agora que a bola
está parada pelos gramados, que tal viver uma experiência fascinante com o
filho ou com os amigos – não importa o tamanho ou a idade – de uma partida de
futebol de botão ou como dizem os mais afeitos, futebol de mesa. Coloque a
imaginação para funcionar. Escolha seus jogadores, técnico, estádio, etc, e
viaje no tempo, no lúdico...
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Anibal Beça |
Foi assim que fez o grande poeta amazonense, Anibal
Beça, revelando sua paixão por um jogo de botões que só mesmo quem é da
Amazônia pode conhecer. Futebol de Tucumã é uma obra prima que merece ser
resgatada e eternamente lembrada, ainda mais com a partida de Beça há dois
anos. Como disse o poeta em um de seus versos históricos:
Folha de jornal
vem no vento ao meu pescoço;cachecol de letras
Anibal Beça
não recheou seu “cachecol de letras” apenas na poesia. Durante mais de 45 anos
atuou na Música Popular Brasileira, vencendo muitos festivais de MPB em todo o
Brasil.
O
texto abaixo foi publicado na edição de número 3, em dezembro de 1999, da
Revista Amazônia 21. Quem resgatou essa preciosidade foi um grande amigo seu, Simão
Pessoa, blogueiro do Amazonas (http://simaopessoa.blogspot.com/2009/09/futebol-de-tucuma-teoria-e-pratica.html)
e responsável pela edição do texto na revista no final dos anos 90. A
ilustração é de Fernando Brum, diretor de Arte da revista Amazônia Viva. Aliás, vale a pena "passear" pelo blog de Simão Pessoa e conhecer o seu belo trabalho com a literatura.
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Crédito foto: http://www.umacoisaeoutra.com.br/cultura/botao.htm |
Futebol
de Tucumã: Teoria e Prática
O sonho da
maioria das crianças brasileiras é se tornar um craque de futebol. Ou pelo
menos um bambambã das peladas de rua. Não cheguei a ser nenhuma coisa nem
outra. Sempre fui desprovido de habilidade com a bola. Não todas as bolas. No
basquete e no tênis andei dando as minhas caçapadas e raquetadas. O Pavão
(irmão do Mark Clark), e o Fubica (pai do iluminador Batata), estão aí e podem
confirmar que não estou mentindo. Mas havia uma possibilidade, para aqueles que
não mantinham intimidade com a popular redonda, de se sobressair e se impor. A
salvação dos pernas-de-pau: o futebol de botão.
Vejo. com certa melancolia, que o jogo não é mais
praticado da maneira que praticávamos. (Décadas de 50 e 60). As facilidades
eletrônicas, ao que parece, exercem mais fascínio às crianças de hoje. É
natural, são da geração hi tech, do computador globalizado. Hoje, o futebol de
botão ou de tó-tó , é praticado frente ao monitor de vídeo. Tudo muito
asséptico e sem exigir muito esforço. Não sei se isso é bom ou ruim. Deixo o
julgamento para os pedagogos e os psicólogos.
O que sei mesmo, com certeza, é que o nosso jogo
de botão era acessível a todos, aos do centro e aos dos bairros, a ricos e
pobres. Portanto, mais abrangente, bem mais barato e também mais criativo.
Exigindo outras habilidades e informações que nos acompanham até hoje.
Verdadeira lição ao ar livre. Discípulos socráticos sem sabermos, aprendíamos
de tudo para confeccionar nossos times. Acredito até, que muitas recomendações
atuais sobre o meio ambiente e ecologia (palavras que não se ouviam) já a
praticávamos intuitivamente.
Tudo era feito por temporada. Obedecíamos um
calendário que se regia naturalmente, mas sempre coincidindo com as férias
escolares: do meio de ano e de final de ano. Havia o tempo dos papagaios, dos
canga-pés, dos piões e, principalmente, dos botões de tucumã. O nosso futebol
de botão se diferenciava exatamente aí. No restante do país se jogava com
botões de baquelite (assim chamávamos a liga de plástico). Comprados,
geralmente, na 4 e 400, a loja de varejo que veio a ser depois a Lobrás. Os
nossos, não. Todos os jogadores, com exceção do goleiro, eram feitos de caroço
de tucumã.
Para quem não sabe, tucumã é um coquinho, fruto
da palmeira do mesmo nome, muito comum em toda a Amazônia. Das palmas, os
índios extraem a fibra de tucum, usada na confecção de redes de pescar e de
dormir, e outros utensílios. Havia duas maneiras de se conseguir a matéria
prima para fazer os nossos times: comprados no Mercadão, nas feiras, ou indo
diretamente colher na selva. Preferíamos, a maioria, a segunda opção. Por
vários motivos.
Primeiro: a farra que fazíamos na excursão,
geralmente de bonde, em direção aos bairro de Flores, Campos Salles e, bem mais
longe, o Tarumã. Pegávamos o bonde Alto de Nazaré que ia pela rua Joaquim
Nabuco até a Estação Primeira do Boulevard; de lá, seguíamos no de Flores, até
a última parada no bar Bom Futuro, onde hoje tem um posto de gasolina, em
frente ao Clube Municipal. Depois seguíamos a pé. Dependendo da disposição e do
horário, a excursão poderia ir até o Banho dos Sabbá, (em frente onde hoje é a
fábrica da Phillips na Zona Franca de Manaus) ou continuar até a Fazenda Brasil
(Rodovia AM-10 no quilômetro 11), fazenda comprada por meu avô Maximino Corrêa,
para abastecer a fábrica de cerveja da família ,de lenha e para plantar
amoreira. O velho queria desenvolver um polo têxtil de seda.
Segundo: Aproveitávamos não só para colher e
escolher os melhores caroços - que se tornariam em nossos craques - mas também
para passarinhar. Muitos levavam gaiolas com alçapões para pegar curiós.
Outros, com seus rapichés de filó, se dirigiam para os igarapés para pescar
peixinhos ornamentais. Ainda havia outra turma, que preferia o politicamente
incorreto: caçar. Com suas espingardas, geralmente calibre 36, iam à procura de
cotias, pacas, tatus, inambus, saracuras e pombas galegas.
De volta, com muita pavulagem pra contar, é que
se dava início a confecção dos botões. As calçadas se transformavam em linhas
de produção. Haja moleque para descascar e comer os tucumãs. Era farra
misturada à algazarra. Barulheira igual, só no tempo das mangas, com a festa dos
periquitos. Escolhíamos os maiores para as posições de beque. Geralmente de
tucumã arara. Alguns preferiam o tucumã babão para seus atacantes. A escolha
recaía em face da coloração branca do coquinho.
Depois seguíamos para alguma
oficina que tivesse torno e serra de ferro. No corte é que estava o segredo.
Para os jogadores da defesa, cortávamos um pouco acima da metade do caroço;
para os atacantes, o corte era bem baixinho, e para os beques serrávamos só um
pouco. O bastante para uma base firme. Feito isso, voltávamos às calçadas para
a fase da ralação. Em que se tirava o excesso das fibras; depois era a vez da
lixa grossa e da fina, preparação final para o acabamento: com cera de carnaúba
ou com graxa de sapatos. O importante é que ficasse impecavelmente brilhando.
Tanto o time principal quanto os jogadores reservas. Só aí é que íamos
confeccionar os goleiros e as bolas. Uma etapa que também aproveitávamos para
matar dois coelhos de uma cajadada: o chumbo e as rodas de madeira para os
carrinhos de rolemã, encontráveis só nas oficinas do O Jornal e do Jornal do
Comércio, ambas na Eduardo Ribeiro. Comprávamos ou trocávamos, muitas vezes por
gibis, as sobras de chumbo das linotipos e os calços de madeira dos rolos de
papel, usadas depois como rodas dos carrinhos que desceriam as ladeiras mais
íngremes em disputadas corridas. Com o chumbo em cima, faltava agora derretê-lo
e encher uma caixa de fósforos e, pronto. Lá estava o Castilho ou o Gilmar,
prontos para adentrar o estádio ( variava entre pátios com cimento liso ou nos
porões, ou ainda em cima de mesas de ping-pong).As bolas eram feitas de rolhas
de cortiça, cortadas e lixadas. O apronto final, dependia da escolha do pente.
A marca flamengo era imbatível. Em virtude de sua maleabilidade.
Organizavam-se torneios
inter-ruas, inter-bairros ou inter-turmas. As meninas cuidavam das torcidas
organizadas, os mais velhos ficavam com a tarefa de arranjar os troféus,
organizar o calendário. E os campeonatos, às vezes, se estendiam por toda as
férias. Ao escrever essas linhas me chegam todos os sons. Os sons que faziam a
nossa alegria, os sons das comemorações de verdadeiros gols de placa: "É
canja, é canja de galinha, não há nenhuma equipe, que aguente a nossa
linha".
Para saber mais sobre Aníbal Beça:
Trabalhou como repórter, redator e editor, em
todos os jornais de Manaus. Foi diretor de produção da TV Cultura do Amazonas,
Conselheiro de Cultura, consultor da Secretaria de Cultura do Amazonas.
Vice-presidente da UBE-AM União Brasileira de Escritores, presidente da ONG
“Gens da Selva”, onde exercia o cargo de vice-presidente, bem como de
presidente do Sindicato de Escritores do Estado do Amazonas e presidente do
Conselho Municipal de Cultura era membro da Academia Amazonense de Letras.
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