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Sócrates e Afonsinho. Crédito: site uol.com.br |
Por Hélio Alcântara
Magrão sempre me lembrou o Afonsinho
da minha infância-adolescência. Ambos barbudos, tecnicamente abençoados,
destoando brilhantemente da imensa massa de calções, chuteiras e camisas de
clubes.
A barba de Afonsinho me parecia a
maneira visual que ele havia encontrado de deixar evidente seu desacordo
com o sistema vigente na época - vivíamos a ditadura militar, cujos agentes e
"militantes" eliminaram pessoas e hoje não esboçam o menor
sinal de arrependimento (nota-se pelas reações atuais dos velhos torturadores
e/ou seus chefes).
Aos meus olhos
adolescentes, Afonsinho foi o primeiro jogador a enfrentar o sistema
estabelecido, com seus patrões apodrecidos e invariavelmente ligados ao
Exército.
Foi impedido de jogar futebol durante algum tempo porque os militares
o consideravam um rebelde, um "inimigo da pátria". Afonsinho entrou
na Justiça para obter o "direito de ir e vir", contemplado em nossa
Constituição.
Ao final dessa batalha em que lutou praticamente sozinho, ganhou
"passe livre", o que significava poder atuar aonde bem
entendesse/desejasse.
Para mim, Magrão é também essa parte
da história de Afonsinho, ex-Botafogo alvinegro, ex-Santos de/com Pelé. Quando
surgiu, no Botafogo tricolor, era um cara muito magro e alto e quase não
sorria. Tinha aquele ar compenetrado e extremamente sério. Acho que passou a
sorrir mais livremente anos mais tarde, já no Corinthians, depois de ter
se estranhado com a imensa Fiel. E sentiu-se verdadeiramente "em
casa" ao se aproximar de gente de cabeça arejada na época, como Eduardo
Suplicy, Adílson Monteiro Alves, Fernando Henrique Cardoso, Osmar Santos, Lula,
o garoto Casagrande e Wladimir, aquele que mais vezes vestiu a camisa
do Corinthians em toda a história do clube.
Nessa época (1984) já havia
"criado e experimentado" uma das maiores "transgressões" do
futebol brasileiro: a chamada "Democracia Corinthiana". Deixou
sementes preciosas, porque o país começou a mudar, ainda que "lenta,
gradual e seguramente".
Tem gente que não acredita nisso, mas,
e daí?
Em 2009, quando eu dirigia e
apresentava o programa "Grandes Momentos do Esporte", na TV Cultura,
tive a honra e o privilégio de conversar com ele por quase duas horas
ininterruptas. Foi uma das experiências mais prazerosas da minha vida
profissional e pessoal. A espontaneidade e a naturalidade desse
"artista da bola" (como ele se autodenominou, certa vez, na Itália)
me fizeram sentir que nos conhecíamos há muitos anos.
Li hoje, na "Folha", a
tristeza do Juca (Kfouri). E concordo, quando diz que Sócrates era
incoerente e apaixonante. Mas, incoerentes somos todos nós. Apaixonantes,
apenas alguns - Magrão era um deles. E, campeão, foi-se embora. Se bem o
conheço, deve estar morrendo de rir, ao lado de outros maravilhosos seres humanos.
Sobre Hélio Alcântara
É autor do livro "Ponta de Lança - A história de um brasileiro que foi jogar bola nos Estados Unidos e descobriu o mar" (Editora Ysayama, 2000). É jornalista e ex-chefe do Departamento de Esportes da TV Cultura.
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