O grande barato do
futebol é esse: como as histórias surgem do nada. Final de ano, casa da sogra,
poucas horas para a ceia de Natal começar a rolar e todos prontos para se
empanturrarem de comida e bebida, vem o papo do cunhado, Marcelo Góes e do sogro, Ludenbergue Góes: “Achei sensacional a
história do Futebol de Tucumã que você publicou no blog...Tudo bem, essa
história é boa, mas não tem igual a que li sobre o Passarinho do Chico”. No
mesmo instante retruquei: “Passarinho? Como assim? O que isso tem a ver com os
botões de Tucumã?”. E lá se foi meia hora de uma deliciosa conversa. Eles (cunhado e sogro), lembravam-se de uma história narrada pelo craque da literatura, Mário
Prata, sobre o tal “Passarinho do Chico Buarque”. Só mesmo lendo essa
preciosidade para entender e se divertir...
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Mário Prata, ao lado de Chico e Tarso de Castro. Crédito: acervo pessoal Mário Prata, www.marioprataonline.com.br |
O passarinho do Formiga de Chico Buarque
Por Mário Prata
Éramos três do
Estadão lá em Paris, sem contar o meu querido Reali Jr: o Chico Buarque, o
Mateus Shirts e eu. Os três, cronicando. Para evitar que a gente escrevesse a
mesma coisa, driblasse o mesmo tema, trocávamos fax (o compositor é contra
e-mail).
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Chico Buarque jogando botão com Vinicius de Morais. Crédito: www.futmesabrasil.com |
No
primeiro sábado, antes de sair a primeira dominical do Chico, chega o fax:
"Com Os Meus Botões". Um poema, como me diria depois o flamenguista
Aluizio Maranhão, nosso redator-chefe. Realmente um poema. Em Paris, entre os
colegas jornalistas, não se falava noutra coisa.
Leio
orgulhoso. Afinal, fui eu quem convenceu o poeta a escrever crônicas na Copa.
Tinha certeza que ia dar samba. A crônica falava dos times de botão do Chico e
dos que todos nós tínhamos nos anos 50 e 60, pedaços de plásticos concentrados
dentro de uma caixa de catupiri, com direito a talco e flanelinha. E todos
botões tinham nome, é claro. Mas tinha um pedaço na crônica:
"Certa vez fui
apresentado a um antigo centromédio do Santos, o Formiga. Depois de um breve
diálogo, o assunto esgotado, sem saber por que continuei a encará-lo. O
silêncio se prolongava, incômodo, e ainda encasquetei de colocar a mão no ombro
do Formiga. Com o polegar, comecei a pressionar de leve a sua clavícula, e me
lembro que ele ficou um pouco vermelho. Então me dei conta de que, pela
primeira vez na vida, conversava pessoalmente com um botão".
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Chico Formiga, ex-jogador do Santos. |
Muito bonito. Só
que eu gritei:
- Passarinho! Isso
é passarinho do Chico!
- O quê que é
passarinho?, me perguntou o Mateus abrindo uma garrafa de uísque com os dentes.
- O dedão na
clavícula é passarinho!!!
Deixa eu explicar o
que é um passarinho. Em 54, o Nelson Rodrigues escreveu uma crônica (acho que
na Última Hora) dizendo que a
imprensa estava muito chata por falta de passarinhos. E explicava que
antigamente era diferente. Que hoje (54) não se mentia mais. Uma vez houve um
incêndio na Lapa, mandaram um repórter para lá e reservaram a primeira página.
O repórter voltou desanimado: apagaram o incêndio com um regador de jardim. Mas
não aconteceu nada que dê notícias? Bem, disse o repórter, tinha um passarinho
dentro de uma gaiola muito nervoso. Foi o bastante: "Fogo Ameaça Fauna na
Lapa".
Era isso: o Nelson
estava dizendo que os jornalistas brasileiros não mais aumentavam a notícia,
não criavam nenhum passarinho. E nas nossas conversas inter-cronistas a palavra
passarinho é muito corriqueira. Eu, por exemplo, me considero um passarinheiro
de marca maior.
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Chico Formiga, ex-jogador e técnico do Santos. |
Então, pra mim, o
dedão na clavícula do Formiga era passarinho. Estava na cara que era. Basta
conhecer um pouquinho o Chico. Aliás, um bom, um excelente passarinho. Mas,
passarinho.
Passo
um fax para a casa do Chico lá em Marais. Não deu dois minutos, toca o
telefone. Era ele. Indignado. Não fala oi, nem nada. Raivoso, atacando e se
defendendo ao mesmo tempo, parecia a seleção da Nigéria em seus desengonçados
momentos de glória. Ele estava mesmo bravo comigo:
- O dedão na
clavícula é passarinho? O dedão na clavícula do Formiga é passarinho?
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Chico Buarque jogando botão com Vinicius de Morais. Crédito: www.futmesabrasil.com |
Nunca tinha visto o
cara assim. Dei até um passo atrás lá no meu quarto. Fiquei sem jeito. Achei
que eu tinha pegado pesado com ele. Afinal, a primeira crônica dele e eu
dizendo que o dedão na clavícula era passarinho? Mas fiquei na minha:
- Desculpa lá, mas
é. Você vai me desculpar muito, tá tudo muito bom, muito bonito mesmo, um poema
e não sei mais o que. Até você ficar sem palavras olhando para a cara do
Formiga, tudo bem. Colocar a mão no ombro, tudo bem. Mas jogar botão com a
clavícula do Formiga, pra mim é passarinho. Um excelente passarinho, diga-se de
passagem.
- Você acha mesmo
que o dedão na clavícula do Formiga é passarinho?
Eu achava mesmo:
- Acho!
Ele abre uma risada
contagiante e mal consegue dizer, triunfal:
- Cara, eu nunca vi
o Formiga na minha vida!!!
Fonte:
Para saber
mais sobre Mário Prata, acessar seu site fantástico, repleto de textos do
craque da literatura, do cinema, do teatro e da televisão: http://www.marioprataonline.com.br/.
Para quem não sabe, Mário é ligado em futebol, torcedor do Linense, clube do
interior paulista, terra onde viveu a infância e a juventude, nos anos 1950 e
1960.
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Time do Linense, 1953. Crédito: www.mariopratoonline.com.br |
Na capital
paulista, palmeirense, tendo inclusive publicado o livro “Palmeiras, um caso de
amor” (Objetiva, 2002)
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