Se dentro dos gramados Nilton
Santos foi chamado de A Enciclopédia, Celso Unzelte é sem dúvida a Enciclopédia
do futebol fora das quatro linhas. Corintiano assumido, é um dos maiores
pesquisadores do esporte no país, prova disso são os diversos livros publicados
desde que iniciou a carreira de repórter há 20 anos. O programa em que trabalha
atualmente, no canal ESPN Brasil, define bem o que Celso representa para o
mundo da bola: um louco por futebol.
Nessa entrevista ao Literatura na
Arquibancada, Celso revela os bastidores de sua vida profissional e como
consegue administrar o tempo para as diversas produções em que se envolve.
Literatura na Arquibancada:
Qual foi a sua trajetória no jornalismo? Sempre trabalhou com esporte?
Em caso afirmativo, porque escolheu o segmento esportivo?
Celso Unzelte:
Minha trajetória é muito ligada
ao jornalismo impresso, principalmente às revistas, que são minha outra paixão,
além do esporte. E foi justamente por isso que escolhi o segmento esportivo,
assim como a maioria das pessoas dessa área: é algo que acompanho desde
criança, os melhores momentos da minha vida (e alguns dos piores também) estão
ligados aos times, aos craques, aos jogos. Pura memória afetiva. Já trabalhei
em outras áreas, como a revista Quatro Rodas, inclusive por um bom tempo
(quatro anos), e com assuntos tão diversos quanto a Revista Brasileira de Leucemia
ou a confecção de catálogos de Tupperware (risos). Nada disso, porém, me
realiza tanto quanto falar e escrever sobre esportes.
L.A:
Quais foram as reportagens mais marcantes que você já fez em sua
carreira?
Celso:
Costumo dizer que gostaria de ter
sido mais repórter do que fui, de ter ido para a rua mais vezes do que acabei
indo. Infelizmente, já faço parte de uma geração de jornalistas que começava a
trabalhar mais internamente, não tanto quanto se trabalha hoje, mas já
começava, sim. Para um jornalista esportivo, principalmente ligado ao futebol,
como eu, nada pode ser mais importante do que entrevistar Pelé, e felizmente já
tive a oportunidade de fazê-lo diversas vezes. Costumo brincar dizendo que só
tremi em duas oportunidades na carreira, diante de Pelé e de Ayrton Senna, com
quem cheguei a conversar quando estava na Quatro Rodas. E é verdade. Como meu
trabalho é muito voltado para a pesquisa histórica do futebol, as mais
marcantes foram com ex-jogadores. Todas as entrevistas para o documentário dos
100anos do clube e uma série com o Zico, que rendeu a publicação de um livro no
Japão, estão entre as minhas preferidas.
L.A:
Quando e porque se tornou corintiano?
Celso:
Eu não tive escolha, nasci em um
lar em que o Corinthians era o bem e o resto era o mal. Meu pai, Dario, que
aparece no filme do Centenário, é corintiano desde 1935, acompanhou tudo: a
conquista do IV Centenário, o tabu contra o Santos de Pelé, os 22 anos sem sem
títulos. Costumava chorar e até hoje fica chateado quando o Corinthians perde.
Eu já me autodenominava corintiano antes de 77, mas foi mesmo a partir da noite
do gol de Basílio, quando eu tinha 9 anos, que me tornei um corintiano
praticante. Hoje, e depois de ter tido duas filhas são-paulinas (Carolina e
Beatriz), vejo com alegria o meu filho mais novo, Daniel, de 7 anos, seguindo
meus passos quanto ao corintianismo. Ele até já me ajuda na hora de organizar
os dados estatísticos depois de cada jogo do time.
L.A:
Como passou a organizar dados estatísticos sobre o Corinthians e outras
equipes? Aproveite e fale do banco de dados que possui. Como foi formado?
Celso:
A organização formal começou com
o Corinthians. Pensei nisso logo depois de adquiri um computador, entre 1994 e
1995. Comecei então a cadastrar os jogos a partir da primeira partida de 95
(uma derrota paraoXV, em Piracicaba) e a buscar retroativamente todos os jogos
que faltavam, até chegarem 1910.Comecei transcrevendo dados da coleção de
Placar, que eu já tinha, depois fui para a pesquisa em jornais. Levei 5 anos
para fazer tudo, até 2000, ano da publicação da primeira edição do Almanaque do
Timão. Em 2004 repeti a dose com o Almanaque do Palmeiras, em co-autoria com
meu amigo e jornalista Mário Sérgio Venditti. O meu banco de dados continua
sendo formado até hoje. Para isso, tenho coleções de jornais, revistas (desde
1938), livros e recortes organizada por ordem alfabética por temas (clubes,
biografias, campeonatos, futebol nos países, estados e cidades). Não tem o que
errar na hora da consulta: se não encontrar é porque não tenho nada, mesmo, a
respeito daquele assunto ou dado que estiver procurando.
L.A:
Quais os livros que já escreveu? Cite passagens emocionantes na
produção deles.
Celso:
São 12, apenas um fora da área de
esportes, que se chama “A Família Bresser na História de São Paulo”, encomendado
por uma senhora, dona Diva Bresser, que faleceu recentemente, aos 94 anos. Ela
passou a vida colecionando informações sobre a família e queria transformar
tudo em livro. Meu trabalho foi apenas de organizador, mas gostei muito de
realizá-lo. Os outros todos têm histórias específicas. Para fazer os Almanaques
do Corinthians e do Palmeiras, por exemplo, localizei e ainda localizo muitos
filhos e netos de ex-jogadores atrás de histórias e dados biográficos
específicos (datas de nascimento e morte). A data de nascimento de Amílcar
Barbuy, por exemplo, o primeiro jogador do Corinthians convocado para a Seleção
Brasileira, em 1914, nunca havia sido publicada antes do Almanaque do Timão.
![]() |
Amílcar Barbuy |
Quando ele morreu, em 1965,
a imprensa divulgou com destaque, por isso a data da
morte eu tinha. Mas quanto ao nascimento, nada. Por meio de uma sobrinha-neta
dele, Heloísa Barbuy, que é historiadora, consegui chegar por contato
telefônico a uma irmã de Amílcar, que à época, aos 90 anos, não só ainda estava
viva como morava sozinha. Ela me pediu alguns minutos até procurar a data que
eu queria escrita na contracapa de uma Bíblia que seus pais haviam trazido da
Itália, na qual registraram dia, mês e ano do nascimento de todos os 10 filhos.
Pode haver fonte mais confiável que essa? Entre as mais de 500 páginas e
centenas de milhares de informação, esses simples nove toques são aqueles dos
quais mais me orgulho: 29/4/1893.
![]() |
Amílcar Barbuy Filho |
Anos depois, apurando a pesquisa, tornei-me
amigo de um dos filhos do próprio Amílcar, que também se chama Amílcar e faz
aniversário no mesmo dia do meu filho Daniel, 2 de junho. Aliás, os dois
costumam se comunicar por computador, o Daniel com 7 anos e o seu Amílcar com
86. Não é maravilhoso que as minhas pesquisas tenham proporcionado algo assim?
![]() |
Celso Unzelte em mais uma performance no Loucos por Futebol, da Espn Brasil. |
L.A:
Qual o método de produção que você utiliza na elaboração de seus
livros? Qual a rotina de trabalho? Enfim, como consegue conciliar várias
atividades, entre elas a de professor?
Celso:
Tenho a vantagem de trabalhar com
muitos dados que já estão à mão, com base no meu arquivo. Isso ajuda mas não é
tudo, preciso, sim, me organizar. Tenho hoje apenas duas atividades que me
obrigam a sair de casa: os programas na ESPN Brasil (É Rapidinho, gravado todas
as segundas pela manhã, e Loucos por Futebol, nas quintas, em geral pela manhã,
semana sim, semana não); e as aulas do curso de Jornalismo na Faculdade Cásper
Líbero (manhãs de quarta, manhãs e noites de sextas-feiras).
Nos últimos dois
semestres, também ministrei um curso específico de Jornalismo Esportivo na
pós-graduação da própria Cásper, em uma das noites da semana (terça ou quarta).
Aos domingos, desde 2003, também ajudo a editar o caderno Esporte do jornal
Diário do Comércio: entro na hora dos jogos, ou um pouco antes, saio entre
22h30 e 23 horas. O resto do tempo eu uso para fazer a coluna semanal sobre
causos do futebol no site Yahoo!, gravar os boletins históricos antes dos
principais jogos para a rádio Estadão ESPN e colaborar em publicações
esporádicas para revistas e livros. Pode acreditar que dá tempo, sim. Pelo
menos vem dando tempo desde 2002.
L.A:
Você é autor de um livro sobre Jornalismo Esportivo e dá aula em uma
faculdade. O que se ensina neste tipo de curso? E mais. Cite casos de trabalhos
de alunos que se transformaram em livros.
Celso:
Antes de tudo, procuro ensinar
que jornalismo esportivo é jornalismo, como se fosse qualquer outra área. Tem
que levarem consideração o mesmo fazer, que envolve pauta, apuração, redação e
edição. Minha grande preocupação é contribuir para a formação de jornalistas,
não de gente que só quer fazer jornalismo porque gosta de esporte. Além disso,
até por conta da minha formação, costumo dar um panorama sobre a história da
imprensa esportiva em cada veículo (jornal, rádio, TV, internet). O meu livro
Jornalismo Esportivo – relatos de uma paixão é o que mais traz casos de alunos
que se transformam em livros. O mais significativo talvez seja o meu caso, já
que o livro é meio autobiográfico, começa contando a experiência de “um garoto
que como muitos amava seu time e seus ídolos” e acabou virando jornalista.
L.A:
Você só escreve sob encomenda ou já conseguiu publicar algum livro sem
recursos?
Celso:
Tive a sorte de encontrar quem
comprasse a minha ideia, no caso das duas primeiras edições do Almanaque do
Timão, que saíram pela Abril, ou de encontrar quem me fizesse uma encomenda,
como em todos os outros casos. A próxima edição do Almanaque do Timão, no
entanto, eu pretendo fazer do meu próprio bolso, como um piloto para testar
todas as possibilidades desse mercado.
L.A:
Você é dono de um dos maiores acervos de livros sobre futebol do país.
Quais as raridades que você guarda em casa?
Celso:
Costumo dizer para as pessoas que
maior acervo não existe. Você pode ter meia-dúzia de itens e, entre esses,
algum que eu não tenha, por exemplo. Acho que o diferencial do meu arquivo está
mais na facilidade e rapidez da consulta, fundamentais para quem como eu
trabalha com isso. Mas me orgulho muito de ter a coleção quase completa da
revista semanal Esporte Ilustrado, de 1938 a 1954; ter conseguido digitalizar os
jornais A Gazeta Esportiva (fase do tablóide semanal, de 1928 a 1947) e O Esporte (1938 a 1962). E de possuir
alguns livros que ajudam a entender melhor as origens do futebol, como o Guia
para o Campeonato Paulista de 1905 ou o livro História do Foot-Ball em São
Paulo, de 1918.
L.A:
Cite os 5 livros brasileiros sobre futebol de sua preferência. E também
5 de autores estrangeiros, já publicados no país.
Celso:
O que eu mais gosto não é de um
escritor brasileiro, mas uruguaio: Futebol ao Sol e à Sombra, de Eduardo
Galeano. Então esse já entra como um dos cinco estrangeiros, ao lado de: Fever
Pitch (Febre de Bola), que conta a história da relação do autor, Nick Hornby,
com o Arsenal; Eu Sou Maradona, a autobiografia do Diego, fundamental para quem
tentar entender a cabeça dele; The Treasures of the World Cup, que é mais que
um livro, é uma caixa com memorabília de cada Copa do Mundo; e O Reserva, um
romance sobre futebol do português Rui Zink que eu até ajudei a verter para o
português do Brasil (para se ter uma ideia, o próprio título original do livro
era O Suplente).
Entre os brasileiros, ninguém,
hoje, conseguiria continuar contando a história do futebol no país se em 1950
Thomaz Mazzoni não tivesse publicado História do Futebol no Brasil. O Negro no
Futebol Brasileiro, de Mário Filho, é outro clássico nessa linha, seja você
contra ou a favor da abordagem que ele faz da figura do negro no futebol do
país. Em Anatomia de uma Derrota, Paulo Perdigão traçou o melhor e mais
detalhado perfil do Brasil x Uruguai da Copa de 50. Recentemente, o meio
acadêmico e filosófico também contribuiu com algumas obras essenciais para se
entender o futebol, como Veneno Remédio, de José Miguel Wisnik, e A Dança dos
Deuses, do medievalista Hilário Franco Júnior.
L.A:
Sendo um apaixonado ou “louco” por futebol, o que ele representa
para você?
Celso:
Sempre lembro da
minha falecida avó me aconselhando a não levar futebol a sério, porque, dizia
ela, “isso não dá camisa pra ninguém”. Mas para mim deu e continua dando. O
futebol para mim representa não só camisa, mas condições para ajudar minha
mulher a sustentar nossos três filhos. Quer coisa melhor do que isso, conseguir
sobreviver trabalhando com aquilo com que todo mundo, inclusive você, também se
diverte?
Mais sobre Celso Unzelte
Nasceu em São Paulo
(SP), no dia 27 de
fevereiro de 19 68 e iniciou a carreira como repórter da revista PLACAR, em 1990.
Especializou-se na área de esportes, com ênfase na pesquisa histórica. Foi
repórter da revista esportiva AÇÃO (que substituiu PLACAR) entre 1990 e 1991;
editor da revista VEJA PARANÁ (1991); de PLACAR (1991 a 1993 e 1997 a 2000); da editoria de
Esportes do jornal NOTÍCIAS POPULARES (1993); da revista QUATRO RODAS (1993 a 1997); do site
NETGOL.COM (2000/2001); diretor da Revista VARIG e da Revista da ABRALE
(Associação Brasileira de Leucemia), em 2008. Atualmente, é comentarista das
televisões por assinatura ESPN/ESPN Brasil, professor de Jornalismo na
Faculdade Cásper Líbero, em
São Paulo , e editor do caderno semanal Esporte, do Diário do
Comércio. Tem sete livros publicados na
área esportiva: Almanaque do Timão (Editora
Abril, 2000, reeditado em 2005), Almanaque
do Palmeiras (Editora Abril, 2004, em parceria com Mário Sérgio Venditti), O Livro de Ouro do Futebol (Ediouro,
2002), Grandes Clubes Brasileiros (produção
independente, em parceria com Marcelo Migueres, 2002; reeditado em 2004), Os Dez Mais do Corinthians (2008), O Grande Jogo (2009), Jornalismo Esportivo: Relatos de uma Paixão (2009),
Timão: 100 Anos, 100 Jogos, 100 Ídolos (2009)
e a Bíblia do Corintiano (2010). Foi
consultor do Memorial do Corinthians, do Museu do Futebol do Pacaembu e
co-roteirista do documentário Todo
Poderoso – 100 Anos de Timão (2010).
Esse é O Cara. Entende tudo sobre a história do futebol, apesar de não cantar muito bem.. rs
ResponderExcluirSou fã dele e o melhor programa da TV brasileira é o Loucos Por Futebol. Não perco um programa