Hoje é ”dia da Consciência Negra” e sendo
biógrafo de uma das maiores referências entre os jogadores negros brasileiros,
Leônidas da Silva, o Diamante Negro, Literatura na Arquibancada não poderia deixar de
registrar alguns momentos marcantes de sua história. Abaixo, trechos do livro
Diamante Negro – Biografia de Leônidas da Silva (Cia dos Livros, 2010). Leia o
prefácio espetacular assinado pelo cineasta e escritor, José Roberto Torero,
além de um fragmento do capítulo referente ao início de carreira do Diamante
Negro e ainda uma crônica assinada por um jornalista francês que viu pela primeira
vez o craque brasileiro executar sua famosa bicicleta.
Picasso, Borges, Newton, Einstein e Leônidas
Desde que Adão comeu aquela maldita maçã e fomos expulsos do paraíso, nos esforçamos para recuperar um pouco da nossa natureza divina. Não gostamos dessa ideia de sermos pertencentes ao reino animal. O que queremos mesmo é ser deuses. Uns dizem que quem mais chega perto disso são os artistas porque, com sua arte, eles conseguem criar algo novo do nada, tal e qual o Todo-Poderoso. Os que pensam dessa forma citam muitos exemplos, como Picasso, o criador do Cubismo, ou Borges, inventor de tantos labirintos literários.
Desde que Adão comeu aquela maldita maçã e fomos expulsos do paraíso, nos esforçamos para recuperar um pouco da nossa natureza divina. Não gostamos dessa ideia de sermos pertencentes ao reino animal. O que queremos mesmo é ser deuses. Uns dizem que quem mais chega perto disso são os artistas porque, com sua arte, eles conseguem criar algo novo do nada, tal e qual o Todo-Poderoso. Os que pensam dessa forma citam muitos exemplos, como Picasso, o criador do Cubismo, ou Borges, inventor de tantos labirintos literários.
Mas, há quem
diga que quem mais se aproxima da essência de Deus são os cientistas, pois eles
decifram a natureza e nos ensinam a dominá-la. Os defensores dessa teoria põem
em seu altar homens como Newton, que descobriu a lei de gravidade, e Einstein,
que formulou a teoria da relatividade.
Há os que
acham, como o André Ribeiro, que quem chegou mesmo perto da essência divina foi
Leônidas da Silva, porque ele era ao mesmo tempo artista e inventor. O Leônidas
artista fez jogadas cubistas que despedaçaram as defesas adversárias, e com
seus dribles desenhou labirintos onde alguns zagueiros devem estar perdidos até
hoje. O Leônidas inventor criou a bicicleta, jogada que despreza a lei da
gravidade e comprova a teoria da relatividade.
Portanto, seja
o leitor a favor dos artistas ou dos cientistas, há de reconhecer que Leônidas
foi divino. Mesmo que ele tenha cometido todos os sete pecados capitais. Não
negava sua soberba, assumiu a cobiça quando defendeu a seleção por dinheiro,
tinha uma justa fama de luxurioso, a ira era sua companheira desde os tempos de
menino, confessou ter inveja, possuía uma insaciável “gula” de gols e, por fim,
tinha tanta preguiça que em sua principal jogada ele deitava no ar.
Porém, mesmo
pecador, ele, como Deus, criou algo novo, inventou o que não havia. Usou também
o barro, só que o dos campos de futebol e, se não trouxe luz às trevas, não há
como negar que tenha sido um jogador iluminado.
Leônidas foi
um deus negro e pagão que andou por estas terras e fez seus milagres. Alguns
deles estão contidos nesta bíblia que está agora em suas mãos. Vamos ler e
orar, amém.
José Roberto Torero
O rei do subúrbio
Leônidas iniciou sua carreira
como jogador profissional num momento em que o futebol brasileiro vivia uma
grande crise política. Paulistas e cariocas lutavam pelo poder e não chegavam a
um acordo entre o amadorismo e o profissionalismo.
A Confederação Brasileira de
Desportos, CBD, queria que o futebol continuasse amador, e os paulistas da Associação
Paulista de Esportes Atléticos, Apea, juntamente com os cariocas da Liga
Carioca de Futebol, queria o profissionalismo.
Aos poucos, os defensores do
profissionalismo iam ganhando terreno. Uma das razões era que os jogadores
brasileiros começavam a ser valorizados também fora do país, como reflexo das
excursões que vários clubes brasileiros faziam pela Europa. No começo dos anos 1930,
o Lázio, clube italiano de Roma, chegou a importar dez craques brasileiros de
uma vez só, e oito eram titulares absolutos.
Leônidas estreou como
profissional em 1930 no Sírio e Libanês, clube da pequena colônia síria, com
sede no bairro da Tijuca. O amadorismo estava morre não morre, mas ele não
queria saber de nada disso, tinha mais no que pensar e fazer dentro dos
gramados, estava apenas começando e essa discussão de “cachorro grande” era
coisa para os mais velhos. Léo ainda não tinha completado 17 anos quando jogou
pela primeira vez no terceiro quadro do Sírio. Uma época em que os jogadores
eram obrigados a passar pelo menos seis meses nos quadros inferiores para
chegar ao time principal.
Os dirigentes do Sírio ficaram
tão admirados quanto à torcida e, assim que o jogo acabou, Leônidas foi
convidado a jogar no domingo seguinte pelo segundo quadro do Sírio. Isso mesmo,
Leônidas precisou de apenas um jogo para mostrar que seu futebol era grande
demais para continuar no terceiro quadro de uma equipe.
A responsabilidade de Léo seria
ainda maior, pois o Sírio iria enfrentar a forte equipe do Botafogo. Em casa,
após o jogo de estreia, Leônidas conversava com o pai adotivo, Mário Pinto de
Sá, sobre sua apresentação. Dona Maria observava de longe o papo. Estava feliz,
mas no fundo desejava que nada daquilo estivesse acontecendo, pois assim teria
chance de convencer o filho a mudar de profissão. Mário estava orgulhoso e
sabia que Léo ia dar certo. Não negou seu incentivo, mesmo que isso
significasse nunca mais vê-lo formado médico.
Mário tinha uma razão especial
para estar feliz. Na roda de amigos do bar que mantinha no campo do São
Cristóvão não se falava de outra coisa, a não ser da estreia de Leônidas como
profissional. Para Mário, aquelas conversas tinham um sabor todo especial, pois
lembrava que Leônidas, pouco tempo antes, havia jogado no São Cristóvão, mesmo
que tivesse sido apenas nas famosas “peladas”. Era um período em que os
dirigentes do clube não tinham dinheiro para apostar no futuro de Léo, e o deixaram
partir.
Mário tanto insistia que, em pouco tempo,
Leônidas seria o maior jogador do Brasil, que os amigos, rindo das suas
previsões, lançaram o desafio ao velho despachante: “Se ele é tão bom assim,
vamos ver o que ele vai fazer domingo aqui em Figueira de Melo”.
Mário não sabia que o jogo
seguinte de Léo seria exatamente ali, no campo do São Cristóvão, e ficou
preocupado: Como o rapaz iria reagir ao pisar no gramado, onde, um dia, sonhou
jogar?
No dia do jogo, lá estava Mário
nas arquibancadas lotadas, rezando para que tudo desse certo. Estava quase
chorando de tanta emoção em ver o “filho” entrar em campo com a camisa do
Sírio.
Leônidas deixou os torcedores do
São Cristóvão com a boca aberta. Marcou um, depois outro, e até o final da
partida ainda marcaria mais um. O Sírio venceu o Botafogo por 5 a 2, Leônidas marcou 3. Os
associados do São Cristóvão queriam descobrir quem eram os espertos que haviam
deixado aquele menino escapar de seu quadro.
No dia seguinte, logo após a vitória sobre o Botafogo, Leônidas
foi até a sede do clube buscar seu bicho pela vitória. A torcida ainda
enlouquecida com sua apresentação não hesitou em batizá-lo de: “O novo
Petronilho” ou ainda, o “Petronilho carioca”. O batismo era uma homenagem ao
grande centroavante, Petronilho de Brito, que jogava no Esporte Clube Sírio de
São Paulo e lançou definitivamente a figura do negro no futebol paulista e
brasileiro. Para se ter ideia da comparação que os torcedores do Sírio faziam, em
1930 Petronilho foi vendido para o futebol argentino a peso de ouro e em pouco
tempo era chamado pelos torcedores do San Lorenzo de Almagro de “El Maestro”.
********
No dia 6 de junho de 1938, o jornalista
francês Raymond Thourmagen, escrevia no Paris
Match sobre sua atuação:
“Acabo de
assistir ao jogo dos brasileiros. Serão eles animais de cinco pernas? Não! Há
entre eles um que tem seis. Refiro-me a Leônidas. Cabelos esticados, pele
escura como um grão de café torrado, pequeno de corpo. Mas sua vivacidade é
verdadeiramente desconcertante, sua velocidade, insuperável. O comandante
brasileiro avança como um raio, infiltra-se como uma flecha e lança bólidos
contra o arco contrário. Leônidas não pesa 60 quilos e pouco importa que seja
atirado ao solo pelo inimigo.
Esse homem de borracha, na terra ou no ar, possui
o dom diabólico de controlar a bola em qualquer posição, desferindo chutes
violentos – não importa de que forma – quando menos se espera. Numa partida,
Leônidas deve beijar a grama uma vez por minuto. Mas não tem importância, pois
quando se levanta, de um salto, está de novo pronto para a luta. E quando seus
adversários pensam tê-lo dominado, ele toma posição horizontal, os pés
estendidos, qual uma flecha no ar. Nessa posição de fera atingida, vi Leônidas
executar uma série de tesouras com as pernas, aproveitando um centro e
golpeando a bola de costas para o gol. Certamente, seus companheiros são
grandes jogadores. Mas se tivessem esquecido Leônidas no Rio, nosso assombro
hoje seria menor. Quando Leônidas faz um gol, pensa-se estar sonhando,
esfregam-se os olhos. Leônidas é a magia negra!”
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