Nesta
quarta-feira, dia 9 de novembro, Paulo Machado de Carvalho, um dos maiores
dirigentes esportivos do país e dono de um império das comunicações no
Brasil, completaria 110 anos. Ele morreu no dia 7 de março de 1992. Literatura
na Arquibancada contará em alguns posts a trajetória do empresário de
comunicação e dirigente esportivo.
Neste
primeiro post, recuperamos trecho da obra “Donos do Espetáculo – Histórias da
Imprensa Esportiva do Brasil”, de André Ribeiro, Editora Terceiro Nome, 2007.
Para
conhecer toda a vida de Paulo Machado de Carvalho, Literatura na Arquibancada
recomenda a leitura da biografia “O Marechal da Vitória”, escrita pela dupla
Tom Cardoso e Roberto Rockmann (A Girafa, 2005).
*******
Paulo
Machado de Carvalho e tinha 30 anos quando decidiu abandonar a carreira de
advogado para aventurar-se nas ondas do rádio. Seu pai era Antonio Marcelino de
Carvalho, negociante bem-sucedido que chegou à presidência da Associação
Comercial de São Paulo. O novo empreendimento de Paulo Machado tinha tudo para
dar errado.
Criada
em 1928, em 1931 a Record estava em crise. Entrava no ar a cada três dias, e a
saída encontrada por seu ex-proprietário, Álvaro Liberato de Macedo, foi
vendê-la ao primeiro que aparecesse. Mesmo com as precárias instalações, Paulo
Machado associou-se a seu cunhado, João Batista do Amaral, o Pipa; a Jorge
Alves Lima, parente distante de sua esposa Maria Luiza; e ao técnico de som
Leonardo Jones, para arrematar a Record por 25 contos de réis, uma fortuna para
a época.
![]() |
Sede Rádio Record, Praça da República, 17, SP |
A
sede da emissora ficava na Praça da República, 17, centro da capital paulista,
e seu nome de batismo era Casa Record, especializada na venda de aparelhos de
rádio. O cenário encontrado pelo novo proprietário era desolador, com cadeiras
empoeiradas, estúdios escuros e apertados, que mal comportavam os enormes
microfones da época.
Todavia,
o talento do jovem empresário, uma estratégia inovadora de programação e muito
suor, fizeram da Record, em pouco tempo, a primeira líder de audiência do rádio
paulista: “o que mais me lembro é que ao entrar na Record vi um piano. Bati nas
teclas, mas o piano não tinha som. Resolvi abrir para saber porque não
funcionava. E não funcionava porque estava cheio de tampinhas e garrafas de
cerveja, a bebida preferida do meu amigo maestro Sérgio Polera. A primeira
impressão foi um pouco dura, mas depois fui me acostumando com aquilo. No
início eu era telefonista, discotecário, arquivista, dava recibo, tirava
fatura. Eu fazia de tudo, todos os dias, de domingo a domingo”.
Desde
11 de junho de 1931, quando entrou pela primeira vez no ar, a PRA-R começou a
transmitir óperas ao vivo, aulas de ginástica, histórias para crianças narradas
por Monteiro Lobato no programa Hora
infantil, e, claro, futebol.
Paulo
Machado era um apaixonado pelo esporte desde os tempos de garoto, quando, aos
11 anos, chegou a montar um time de futebol chamado América Futebol Clube.
Conhecia todos os campos de várzea próximos à rua das Palmeiras, onde morava,
na região central de São Paulo. Em sua nova emissora de rádio, o futebol tinha
espaço fixo nas tardes de domingo.
![]() |
telefones usados para recepção das informações, na Record |
José
Augusto Siqueira, comandante técnico das transmissões, recebia telefonemas dos
repórteres que acompanhavam os jogos nos estádios e os colocava no ar: na
emissora, “não era nada mais do que uma série de telefones, daqueles de
manivela em que se falava do campo. De lá se dava uma notícia. Siqueira pegava,
escrevia num papel e o locutor dizia: ‘agora acabou-se de marcar um gol no
Parque Antártica’”. Pode
parecer simples hoje, mas na época, o primeiro plantão esportivo do rádio
brasileiro, batizado de Esporte nas
Antenas, foi uma revolução. Na Record, o futebol também era notícia todas
as tardes da semana, no programa Record
nos Esportes, com boletins produzidos em parceria com a equipe comandada
por Thomaz Mazzoni no jornal A Gazeta
Esportiva. Um ano depois de sua criação, a Record já era a maior rádio de
São Paulo, considerada modelo pela qualidade de sua programação moderna e
popular.
No
início de suas atividades, Paulo Machado encontrava-se com freqüência com Assis
Chateaubriand, que chegou a comandar na Record o primeiro jornal falado do
rádio. Em pouco tempo, ambos se tornariam concorrentes, mas naquele momento,
Chateaubriand estava preocupado apenas com o futuro de seus negócios no ramo de
jornais impressos que se espalhavam por todo o país. Não é à toa que Chatô
construiu um império das comunicações. Naquele distante ano de 1931, ao sair
dos estúdios da Record, o empresário profetizou: “Olha, Paulo, isso que a gente
está vendo aqui é o início de uma grande transformação que vai acontecer no
mundo inteiro. Na minha opinião, no futuro, estas coisas vão progredir de tal
maneira que vão surgir aparelhos de rádio pequeníssimos, como uma caixa de
fósforos. As pessoas vão andar na rua com rádios junto aos ouvidos, ouvindo as
notícias. Vamos chegar ao rádio de lapela. Os jornais impressos estarão sempre
atrasados. Eu temo pelos jornais”.
Chateaubriand
nunca esteve tão certo em suas previsões. Só não imaginava que o prejuízo com a
venda de jornais aconteceria de imediato e por razão completamente diferente da
influência do rádio. Em julho de 1932 estoura em São Paulo a Revolução
Constitucionalista. A repressão do governo de Getúlio Vargas contra a imprensa
é brutal. Chateaubriand via a venda de seus principais jornais e revistas
despencarem. Só a revista O Cruzeiro baixou de 100 mil para menos de 20
mil os exemplares vendidos.
Cásper
Líbero, dono de A Gazeta Esportiva, teve de partir para o exílio nos
Estados Unidos e na França, durante dois anos, devido à invasão e destruição
das instalações de seu jornal por simpatizantes de Vargas. Mário Cardim, já
distante do futebol, mas participante ativo do movimento constitucionalista,
também foi obrigado a deixar o país.
![]() |
Memorial em homenagem aos revolucionários constitucionalistas, na sede da Rádio Record, em São Paulo, 1932. Acervo Rádio Record |
Enquanto
os jornais sofriam, Paulo Machado de Carvalho faturava alto com a revolução. Só
não encheu os cofres de dinheiro porque havia contraído muitas dívidas para
fazer crescer sua rádio. Estrategicamente, os microfones da Record foram
abertos para os líderes da revolução paulista. A emissora ganhou prestígio e
popularidade e chegou a ser tratada pelo povo como A voz de São Paulo, porque entre discursos políticos inflamados
apelava aos cidadãos para que não deixassem faltar cobertores e agasalhos para
os que estavam nos campos de batalhas.
Com
a cidade praticamente paralisada com o conflito, a imprensa esportiva não tinha
o que noticiar. O Campeonato Paulista foi suspenso até o mês de novembro.
Grandes estrelas do futebol paulista aderiram ao movimento. Friedenreich, do
Clube Atlético Paulistano, doou todas as medalhas conquistadas ao aderir à
campanha “Ouro para o bem do Brasil”, e ainda foi para a frente de batalha,
como sargento, num batalhão de oitocentos esportistas. Algumas rádios de São
Paulo chegaram a noticiar a morte do craque no front. Coube a Rádio Record, de
Paulo Machado de Carvalho, desmentir tudo, informando que Fried continuava
firme, integrando o “Batalhão esportivo”.
![]() |
Nicolau Tuma, o speaker metralhadora |
Sem
jogos para narrar, o “speaker metralhadora”, Nicolau Tuma, contratado pela
Record como a grande estrela do rádio esportivo, transformou-se na voz da
Revolução Constitucionalista ao lado de outro destaque, César Ladeira, que mais
tarde viria a se tornar um dos maiores galãs do rádio brasileiro, como
rádio-ator da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Com
o final do conflito, Tuma finalmente poderia soltar a voz novamente. O único
problema é que a Record ainda não estava convencida de que valeria a pena
transmitir jogos na íntegra. Mas a certeza da popularidade que o futebol e suas
estrelas da narração esportiva começavam a despertar fez o empresário Paulo
Machado mudar rapidamente de opinião.
![]() |
Nicolau Tuma em ação, narrando um jogo. |
Logo
após a Revolução, paulistas e cariocas realizaram dois jogos, que de amistosos
não tiveram nada. O primeiro, disputado no Rio de Janeiro, foi narrado por
Amador Santos, da Rádio Clube do Brasil. Para não ficar fora da festa, Paulo
Machado decidiu fazer uma parceria inédita com a rádio carioca: mandou instalar
alto-falantes enormes em pleno centro da capital paulista para os torcedores
poderem acompanhar a retransmissão pela Record. Ao perceberem que o locutor
narrava com parcialidade e torcia escancaradamente a favor dos cariocas, os
ouvintes começaram um quebra-quebra geral, e nem as caixas de som da Record
escaparam da destruição. Mas o prejuízo não foi nada perto da audiência obtida
– apesar da derrota dos paulistas.
De
olho na audiência que o jogo de volta poderia ter em São Paulo, Paulo Machado
não titubeou na decisão de transmitir na íntegra o encontro, mesmo sabendo não
ter experiência alguma nesse tipo de evento. Chamou Nicolau Tuma e ordenou ao
jovem narrador: “agora será a vez de puxar a sardinha para os nossos
jogadores”. Tuma
preferiu não escancarar tanto assim na narração, mas não deixou de anunciar,
após a vitória dos paulistas por 2 a 1, no estádio do Floresta encharcado pelas
chuvas, o jingle criado por ele mesmo em parceria com o compositor Roberto
Splendore: “Com chuva, com sol, paulista é campeão de futebol”.
Criar
jingles não era função do “speaker metralhadora”, mas sua criatividade e
oportunismo fizeram dele um grande negociador. Na verdade, Tuma estava de olho
na liberação da publicidade em rádio, instituída por decreto em março de 1932
pelo governo Vargas. A crescente popularização dessa mídia, aliada a essa nova
permissão governamental, fez surgir as primeiras agências de publicidade. Três
anos depois de narrar a primeira partida de futebol pelo rádio, Tuma montou sua
própria agência, prática que se tornaria comum e polêmica no futuro.
Produzir
jingles interessantes era apenas um dos apelos usados para atrair novos
anunciantes. A guerra pela audiência estava declarada, e ganhar a imaginação do
ouvinte era prioridade. A transmissão esportiva caía como uma luva nesse novo
mercado. Um dos primeiros grandes anunciantes que Tuma e a Rádio Record
arrastaram para as transmissões foi a empresa seguradora Eqüitativa. O grande
apelo para atrair o patrocinador acontecia na segunda-feira seguinte às narrações
das partidas, quando ficava muito mais fácil para os corretores da empresa
seguradora venderem suas apólices lembrando aos consumidores que seu produto
era o que patrocinava as transmissões de Tuma no futebol.
Tuma
e Paulo Machado de Carvalho foram também pioneiros na forma de valorizar ainda
mais os locutores e anunciantes. Como não havia área reservada para a imprensa
nos estádios, Paulo Machado mandou fazer um pequeno cercado de madeira, onde
eram afixadas placas com as logomarcas de sua rádio e do patrocinador, além de
uma lousa, que era utilizada para anotar a contagem da partida. O círculo se
fechava: nas ondas do rádio ou, no próprio local de jogo, patrocinadores teriam
suas marcas vinculadas ao espetáculo que atraía
verdadeiras multidões.
Queremos mais histórias, por favor.
ResponderExcluirOlá onde posso obter maiores informações sobre as primeiras transmissões esportivas do radio ,mais precisamente da radio Record?
ResponderExcluir