Yeso Amalfi nasceu no dia 6 de dezembro de 1923. Ganhou
fama no futebol jogando pelo São Paulo Futebol Clube entre os anos de 1943 e
1948, mas foi na Europa que se tornou uma verdadeira lenda. Começou nos
aspirantes do São Paulo, mas antes de chegar por lá, jogou na várzea paulistana
em um clube tradicional chamado Éden, do bairro da Liberdade. Também foi
interno no Colégio Mackenzie e lá seu futebol foi descoberto por um diretor do
clube tricolor, ao vê-lo disputar a Olimpíada MackMed (Mackenzie X Medicina).
Yeso foi para o São Paulo quando o clube ainda jogava onde é o atual estádio do
Canindé, antes conhecido como Estádio da Floresta.
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A equipe de estrelas do SPFC, em 1945. Yeso é o que aparece sozinho na última fileira. |
Yeso fez história no São Paulo. Em 1946, ainda bem jovem,
chegou a jogar na equipe bicampeã paulista tricolor, um time inesquecível com
Gijo, Piolim, Renganeschi; Bauer Ruy e Noronha; Luizinho, Sastre, Leônidas,
Remo e Teixeirinha. Yeso ganhou chance neste timaço quando o argentino Sastre
retornou para a Argentina. Dois anos depois, o craque argentino o levou para
jogar no Boca Juniors. Por lá, jogou ao lado de outro craque brasileiro, Heleno
de Freitas, considerado na época o melhor centroavante do Brasil e da América
do Sul. Segundo Yeso, ele mesmo o teria buscado no Brasil a pedido do
presidente do Boca.
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Da esquerda para a direita: Boye, Negri, Heleno de Freitas, Yeso e Pin. |
Na Argentina, Yeso se envolveu em um dos episódios
marcantes do futebol sul-americano: a greve dos jogadores no futebol argentino,
que ficou conhecida como “paro simbólico”. Heleno e Yeso foram banidos do
futebol argentino, bem como todos aqueles que aderiram à greve: “fomos banidos
por não aceitar as imposições daqueles que comandavam politicamente o país, com
relação ao Sindicato de Jogadores Profissionais que operavam na Argentina.”,
recorda Yeso em seu livro autobiográfico. O movimento grevista estipulava que
os jogadores entrassem em campo, em todos os jogos do campeonato argentino, e
ficassem sentados durante um minuto, logo após o apito do árbitro para iniciar
o jogo. Era como se fosse um minuto de silêncio, e logo a seguir jogavam os 89
restantes. Em todos os jogos o gesto se repetia, até que a Federação de Futebol
Argentina, apoiada pelo general Perón, decidiu suspender o campeonato, expulsar
todos os jogadores profissionais e terminar a competição com jogadores
amadores. Foi por causa dessa debandada forçada que Heleno e Yeso acabaram indo
parar na Colômbia, para jogar no que ficou conhecido no futebol como “Liga
Pirata”. Heleno jogou pelo Atlético Junior. Yeso pelo Milionários, mas de lá
saiu rapidamente para jogar pelo Peñarol do Uruguai, em 1949.
No Uruguai, Yeso ganhou fama
espantosa. Foi campeão invicto pelo Peñarol, uma equipe que um ano depois iria
fazer 200 mil brasileiros se calarem na decisão da Copa do Mundo de 1950, no
Maracanã: “Tirando
eu, o time do Peñarol era a Seleção Uruguaia, com Máspoli, Obdulio Varela,
Andrade, Migues, Vidal, Ghigghia e Schiaffino. Na final, quando perdemos por 2
a 1, estava viajando de navio no litoral de Pernambuco pra jogar no Olympique
de Nice. Fui com um cartaz violento pra França”, relembra Yeso.
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Yeso como malabarista para os franceses. |
Não foi a toa que rapidamente, Yeso ganhou dos franceses a
fama de “Deus do Estádio”. Em campo, durante o dia, era considerado um craque,
um malabarista da bola. À noite, se transformava em galã latino badalado
pelo jet set europeu pelos lugares e cidades que passou, nas praias da Côte
d’Azur, nos cafés de Paris ou no principado de Mônaco.
Conheceu e vivia junto de figuras ilustres, como Brigite
Bardot, Sophia Loren, Gina Lolobrigida. Gostava de andar ao lado de mulheres
bonitas. Ganhou fama de mulherengo, mas não tinha o vício que a maioria dos
jogadores tem: não bebia. Na França, jogou pelas equipes do Mônaco, Racing
Clube de Paris, Red Star, Olimpique de Nice e de Marselha, e no meio disso
tudo, uma parada para jogar na Itália, pelo Torino. Chegou a dizer que “se
Pelé foi considerado o melhor jogador de futebol de todos os tempos, eu fui o
segundo brasileiro a conquistar a França depois de Santos Dumont”.
Yeso era figura freqüente nas
capas dos principais jornais e revistas francesas. Seu nome era constantemente
citado também por personalidades que o tinham como fã: o filósofo Jean-Paul
Sartre, o pintor Pablo Picasso e o poeta Jean Cocteau são apenas alguns
exemplos. Como afirmou recentemente o jornalista Alberto Helena Jr. em
reportagem publicada pela revista Isto É: “Yeso foi o primeiro futebolista
brasileiro a gozar da fama de popstar fora do País”. Neste mesmo artigo, outro
grande amigo de Yeso, o cineasta Luiz Carlos Barreto afirma que um dos maiores
companheiros de Yeso era o príncipe Rainier, de Mônaco: “Na noite, o Rainier
era o príncipe e o Yeso, o rei”. Barreto foi um dos fotógrafos do casamento de
Rainer com a atriz Grace Kelly, em Monte Carlo, graças à ajuda de Amalfi, porque teria sido ele quem apresentou Grace ao príncipe. (mais
abaixo, veja trecho do livro de Yeso Amalfi contando essa história).
Foi em 1952, na passagem rápida que teve por Mônaco, que
Yeso conheceu a atriz Grace Kelly. Mas foi no Racing, de Paris, que viveu os
melhores momentos de sua carreira. Virou ídolo a ponto de os franceses
pedirem sua naturalização para que pudesse jogar pela seleção do país. Dizia
nunca ter aceito essa ideia por “amor ao Brasil”.
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Yeso, agachado com a bola nas mãos. |
Yeso encerrou a carreira, aos 37
anos. Ajudou políticos, agenciou jogadores e chegou a ser vendedor de terrenos.
Morava na região central de São Paulo e não se arrependia de ter gasto tudo que
ganhou no mundo da bola.
Em março de 2010, Yeso lançou um
livro autobiográfico “Yeso Amalfi – O futebolista brasileiro que conquistou o
mundo” (editora Cla, SP). E é nele que se encontram verdadeiras “pérolas” para
a história do futebol brasileiro. Yeso mostra também o talento para a escrita,
pois não precisou de nenhum gostwriter para a empreitada. A riqueza de detalhes
em sua narrativa além de prender o leitor do começo ao fim das histórias
demonstra a capacidade de memorização que Yeso sempre teve, até os 90 anos vividos intensamente.
Logo na chegada à França:
A Promenade des Anglais é a
avenida mais importante de Nice, com alguns hotéis tradicionais como Beach
Regency, Negresco, Mediterranée, Bristol, Ruhl etc. E eu me perguntava em qual
deles iria me hospedar. Mas meus sonhos se foram por terra quando o carro
estacionou no Hotel Durante, numa praça sem saída, nas proximidades da estação
ferroviária. Na porta do pequeno hotel havia uma fotografia de Balzac bem em
frente a uma palmeira solitária. Tive vontade de reclamar, mas as duas moças
que me recepcionaram eram tão lindas e delicadas que de imediato aprovei o
hotel. Por incrível que pareça, elas eram filhas do dono do hotel. Deram-me o
quarto número 14, no primeiro andar. Meus aposentos eram então apenas um
quarto. Naquele momento o hotel estava em reforma. O toilette e a sala de banho ficavam provisoriamente no corredor do
andar térreo. As moças pediam paciência, porque em breve eu estaria bem
acomodado. (...) As minhas refeições eram feitas na famosa Brasserie Niçoise,
de propriedade do Sr. Lalu (o qual também fazia parte da diretoria do clube).
Não haveria mais necessidade de intérprete, porque eu já estava bem acomodado
e, apesar de o Sr. Nuti ser muito atencioso, tirava-me um pouco da liberdade.
Eu flertava com uma garota que era um monumento de beleza e morava ao lado do
hotel. O nome da garota era Luly: cabelos longos da cor de uma libra esterlina,
olhos verdes, elegante, esbelta, positivamente sensual e muito amorosa. Minha
vida não poderia ser melhor. Naqueles poucos dias,estava sempre nas praias e à
noite visitava cassinos e boates da Costa Azul.
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Yeso e Garrincha. |
Jeitinho brasileiro
(...)
Na costa Azul (com exceção de
Cannes, com praias artificiais de areia) as praias eram constituídas de
pedregulhos. A primeira praia que conheci em companhia das garotas foi a Fórum
Plage, em frente ao Hotel Negresco, um dos hotéis mais badalados da Costa
Azul, onde inúmeras celebridades possuíam aposentos permanentes, entre os quais
o ator americano Errol Flynn, o rei Farouk do Egito, Churchill, Aga Khan, Xá do
Irã, princesa Margaret. Na época o Hotel Negresco só aceitava hóspedes de
sangue azul ou celebridades internacionais. Uma certa noite, passando em frente
ao hotel, fui dar uma olhada no local onde iria ser realizada a eleição da Miss
Costa Azul e logo em seguida o grande baile de gala, com traje a rigor
obrigatório. Na entrada do hotel havia um cartaz avisando que a entrada só
seria permitida aos convidados especiais. Notei, de relance, que os músicos
estavam vestidos discretamente, com ternos escuros, camisa branca e gravatas
borboleta, e por estar vestido praticamente como um músico, acreditei que
poderia passar por um deles e fui entrando de “bicão”, sem mais nem menos, até
o fim do corredor, não sendo interpelado por ninguém, dando a impressão que eu
fazia mesmo parte da orquestra. Mas essa
alegria durou pouco, quando um dos guardas muito educadamente me impediu de
prosseguir. Acatei a decisão, mas pedi ao guarda que pelo menos me deixasse
visitar o hotel, para um dia, quem sabe, transmitir aos meus compatriotas do
Brasil essa festa digna de um conto de fadas. O guarda, muito gentil, acatou o
meu pedido e após a visita eu tive uma certeza: que voltaria um dia, como rei
do futebol, a fim de lá permanecer pelo menos 15 dias, e que meus aposentos
seriam no primeiro andar; de frente para o mar, onde o rei Farouk estava
alojado. E assim fiquei intimamente comprometido, para “dar o troco” num futuro
bem próximo.
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Campeão pelo Red Star, 1955/1956 |
Um homem excêntrico
(...)
Meu prestígio crescia na França
de maneira assustadora e com mais intensidade na Costa Azul, com superlotação
nos jogos. Batíamos todos os recordes de arrecadação, mas sentia que esse
sucesso não duraria muito tempo, porque dentro do clube havia muita inveja,
política e interesses financeiros. Sempre após uma vitória nós festejávamos na
Brasserie Madrid, ponto preferido dos Amalfistas. A cada jogo aumentava o
número de adeptos. Um dos mais ardentes membros do nosso clube era o prefeito
de Nice, Mr. George Hutin, mais tarde nomeado governador do Marrocos.
Acompanhava algumas vezes o
prefeito, geralmente em obras assistenciais, em benefício da população mais
carente. Uma certa ocasião fui convidado pelo prefeito para acompanhá-lo numa
recepção oficial em Marselha, no quartel da Legião Estrangeira. Justamente
nosso jogo seria em Marselha contra o Olimpique, clube da cidade. O tempo
apresentava-se instável. Deveria partir imediatamente após o jogo. Não havendo
tempo suficientemente para trocar de roupa, fui prático e objetivo, chegando ao
estádio vestido com smoking e assistindo a preliminar ao lado do prefeito. No
dia seguinte, os jornais noticiaram que somente um fantasista como o brasileiro
Yeso Amalfi assistiria um jogo em traje a rigor, com um tempo chuvoso e uma
temperatura instável. Eles não sabiam as razões, mas o público vibrava com
essas excentricidades. Fiz aquilo apenas para ganhar tempo, quando eles
interpretaram como mais uma de minhas fantasias.
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Príncipe Rainier e Gracy Kelly |
O casamento do príncipe
Em fevereiro de 1956, pedi
licença ao clube para ir a Monte Carlo assistir ao casamento do príncipe de
Mônaco com a rainha do cinema Grace Patrícia Kelly. Esse pedido foi aprovado
pelo presidente do Red Star e assim fui para Nice, com uma semana de
antecedência, hospedando-me como sempre no Hotel Durante. Nesse mesmo dia, ao
anoitecer, dirigi-me a Monte Carlo a fim de encontrar-me com os repórteres e
meus grandes amigos brasileiros, David Nasser e Luiz Carlos Barreto. Por ter
livre acesso no Principado de Mônaco eu poderia ajudá-los durante as festividades
do casamento. Esse casamento significava a consagração da aristocracia,
despertando mais interesses no mundo exterior que na própria França. O
Principado se transformou num verdadeiro país das maravilhas. Naquele momento a
população do Principado de Mônaco se tornava heterogênea, com a presença de
turistas e jornalistas de todas as partes do mundo. Esse casamento foi muito
bem preparado como um filme romântico, com o príncipe Rainier e Grace Kelly como
estrelas principais.
Três dias antes da festa do casamento,
houve uma noite de Gala no Teatro da Ópera de Mônaco. Fui até o teatro e fiquei
ao lado do comandante da guarda de honra do príncipe, e assim tive a
oportunidade de ver os noivos Rainier e Grace chegarem ao Teatro. Houve um
tumulto muito grande e quando o príncipe entrou com Grace, os ânimos ainda não
haviam sidos serenados.
Quando o casal deixou o teatro,
já passava das 2 da madrugada. Antes de sair do teatro, o príncipe, por
intermédio de seu ajudante de ordens, deixou um comunicado para a imprensa,
avisando que no dia seguinte receberia dois jornalistas de cada país. Por
princípio não seriam permitidas entrevistas. Acompanhei David Nasser e Luiz
Carlos Barreto, correspondentes da revista O Cruzeiro na Europa, na hora
marcada, porque sabia de antemão que o príncipe iria fazer uma surpresa
agradável aos jornalistas numa entrevista coletiva. O príncipe abriu as portas
aos jornalistas e fotógrafos e os atendeu democraticamente. Os homens da
crônica escrita e falada saíram encantados com o príncipe. A cerimônia do
casamento civil foi acompanhada por poucas pessoas, entre as quais diversos
membros da nobreza européia. David Nasser, Luiz Carlos Barreto e eu estivemos
lá.
Encantando a todos
(...)
Depois da vitória contra a
seleção suíça a minha situação como futebolista em Paris chegou ao ápice. O
jornalista Victor Denis, em artigo publicado após a goleada de 5 a 2 (quebrando
o encanto do “ferrolho suíço”, idealizado pelo técnico Karl Rappan), assim
escreveu: “Nós vamos falar de Amalfi, se vocês me permitirem, caros
compatriotas. Amalfi, nos diz Larousse, é um pequeno porto da Itália,
pertencente ao Principado de Citariore. Tem 8 mil habitantes que se chamam
Amalfitanos; sede principal de um Bispado. Amalfi é também uma égua de raça,
que faz maravilhas nos campos da Inglaterra, e que é irresistível em corrida de
curta distância. Isso é tudo que posso publicar de Amalfi...Perdão, ia me
esquecendo que Amalfi é nome de um futebolista brasileiro. Yeso. Ele começou no
São Paulo F.C., passou pela Boca Juniors de Buenos Aires, para depois ingressar
no Peñarol de Montevidéu. Depois de passar ainda por Nice, Torino e Mônaco,
veio conquistar Paris. Ele tem um charme suficiente para tal. Posso dizer que
Amalfi é algumas vezes o Deus, o profeta, o comediante trágico do seu time, a
alma. Em Buenos Aires recebeu flores de Perón, no dia de sua estreia. Jean
Cocteau não se contenta em lhe dirigir cumprimentos; chama-o de gênio”.
Demais
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