Se o futebol tivesse uma
Universidade Mundial do Futebol, e a escolha de seu Reitor tivesse de ser feita
pelo saudoso escritor Jocelyn Brasil, sua decisão seria fácil. Para entender sua
preferência, leia a crônica que ele escreveu, publicada no livro: “Você pensa
que entende de futebol? Eu também!” (Editora Aleutianas, 1997) e concorde ou
não com sua escolha e argumentos.
Magnífico Reitor
Que Rei é esse?
Roberto Freire, o legítimo, em
seu “Viva eu, Viva tu e Viva o Rabo do Tatu”, escreveu:
“Nossos atletas são homens nascidos na camada
chamada popular, isto é, na mais pobre, isto é ainda, na que representa a
maioria do nosso povo. Desenvolveram suas aptidões e talentos para esse esporte
(o futebol), brincando, jogando – movidos internamente por sua natureza lúdica
– nos campinhos das várzeas, ou nas areias das praias”.
O futebol não pertence a Rei
nenhum. É democrata. Se alguém se embriaga no exibicionismo de um título
pomposo, no mínimo, é um tolo. Reis do futebol? Fantasia dos deslumbrados ante
a criatividade dos iluminados pelo talento.
Está aí essa ilustração de um
jornal francês de 1925. Essa gente assistiu a versatilidade de Araken e
Feitiço, do Paulistano, e ficou de boca escancarada. Pátria de tantos Reis,
eles chamaram de Reis de Futebol aqueles rapazes brilhantes no trato da bola.
Em 38, já chamaram Leônidas da Silva de Rei.
O Brasil é Academia, ou melhor, a
Universidade do Futebol. Em Universidade não vicejam testas coroadas, não
existe isso de um ser absoluto. A Universidade é dirigida por um Reitor.
Os franceses, tarados pela
negritude da pele, viciados em gerações que sofreram sob o guante real, ao
verem um negro serelepe traçando o caroço com certa desenvoltura, entenderam de
apelidá-lo de Rei do Futebol.
Quá! Quá! Quá!
Eu não aceito essa coroa. Ela agride
visceralmente os meus sentimentos democráticos. “Nossos atletas são homens
nascidos na camada chamada popular”. E lá não há lugar para coroa.
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Mário Filho |
O senhor Edson refastelou-se na
prebenda francesa, está bem. Mas, por amor de Deus, acabemos com essa tolice. O
nosso futebol é, sim, o maior do mundo, o que é devido à prática democrática da
liberdade, a que se entregam os nossos jogadores, inventando gols. Foi Mário
Filho, o Galileu de nosso futebol, quem afirmou que “os outros fazem gols,
enquanto os brasileiros os inventam”.
Peço a palavra. A imprensa
esportiva mundial, reunida num boteco qualquer da Inglaterra, por votação
democrática, elegeu a Seleção Brasileira de 1970 como sendo o mais perfeito, o
melhor time do mundo, de todos os tempos. Eles reconheceram a exuberância de
nosso futebol, patenteada na atuação daqueles jovens que fizeram com que a CBF
entrasse em posse definitiva da Copa Jules Rimet.
Quem teria sido o jogador mais
brilhante daquela Copa? Quem foi que dirigiu o solo magistral daquela orquestra?
Solto aqui uma confidência. Não
contente em ler e ouvir cronistas que estiveram presentes àquela Copa e, por
observação própria, haver considerado Eduardo Gonçalves o cérebro daquela
conquista, invoco um testemunho irrefutável. Jerônimo Bastos sabia futebol de
trás para diante. Foi o chefe da Delegação Brasileira naquela Copa. Houve um
blá-blá-blá após a disputa da Copa: Quem teria sido o autor daquele feito
brilhante? Zagalo ou João (Saldanha)? Não resisti à tentação. Provoquei o meu
grande amigo: “Jerônimo, me diz uma coisa: quem ganhou a Copa? O João ou o
Zagalo?” O meu velho companheiro da FAB, o Brigadeiro Jerônimo, respondeu de
bate pronto: “Foi teu colega cabeçudo”.
Era assim que ele me chamava. Em seu entender, Tostão também era um cabeçudo.
Não estou advogando, mas, até
aparecer outro, o jogador que deu aquele passe para o Clodoaldo, e o outro para
o Pelé, contra a Inglaterra, não hesito em afirmar, foi um jogador simplesmente
genial. E, atenção, não tem nada de obscurecer Rivelino ou Gérson. Tostão é
Tostão.
Poderá acontecer, amanhã ou
depois. Poderá aparecer um jogador tão brilhante, de técnica tão apurada quanto
o Tostão. Leiam em “O homem e a bola”, a fotografia colorida que Armando
Nogueira tirou da consagração popular de Tostão. O povo entende de futebol,
Zagalo não, comprovado pela vaia com que Manaus lhe presenteou em 18 de
dezembro de 1996.
Doa a quem doer, o maior lance de
futebol de que se tem notícia foi aquela bola enfiada pelo Tostão para o Clodoaldo, na partida contra o Uruguai
(1970). Ele nunca foi chamado de Rei. Aquilo foi um lance de PhD, que
permanecerá por muito tempo na Enciclopédia do Futebol do Mundo.
Aquela equipe, tida como a maior
do mundo, na opinião de quem inventou o futebol, foi elaborada aonde? Foi aqui,
entre Oiapoque e o Chuí, na (permitam-me o orgulho) Universidade Mundial do
Futebol.
Em Universidade não existe Rei.
Os Reitores são as autoridades. Nossa Universidade apresentou em 1970 (e ele
ainda está por aí, a cantar jogadas) o seu Reitor.
Tiremos o chapéu para Eduardo
Gonçalves, o Tostão, o Magnífico Reitor da Universidade Mundial do Futebol.
Sobre Jocelyn Brasil
Jocelyn Brasil e Pedro Zamora
eram as mesmas pessoas. Jocelyn escreveu durante vários anos sobre futebol,
especialmente no Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro. Entre os vários livros
publicados, escreveu algumas importantes obras para o esporte brasileiro, a
maioria encontrada somente em sebos: “Tim o Estrategista” (Editora Gol) “O Livro de Tostão” (Editora Gol), “ A
Hora e a Vez de João Saldanha” (Editora Gol” e “Assim falou Nenen Prancha “
(Editora Critica). Há ainda o título do qual Literatura na Arquibancada
selecionou um texto precioso de Jocelyn Brasil, ou melhor, Pedro Zamora, pois é
com esse pseudônimo que ele assina “Você pensa que entende de futebol? Eu
também! (Edições Aleutianas, 1997).
Para saber mais sobre Jocelyn
Brasil, acesse: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jocelyn_Brasil
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