Hoje, dia 19 de outubro, Domingos da Guia completaria 101 anos de vida.
Amanhã, dia 20, é feriado nacional, data batizada de “Dia da Consciência
Negra”. Literatura na Arquibancada, com um texto do escritor José Lins do Rego
reverencia dois ícones da raça negra no mundo da bola. Domingos da Guia,
apelidado de “O Divino Mestre”, e Fausto, “A Maravilha Negra”. Ambos se
consagraram no futebol, na década de 1930. Domingos morreu no ano 2.000 aos 89
anos, enquanto Fausto não teve a mesma longevidade. Morreu praticamente
esquecido, em um sanatório para tuberculosos, na cidade de Santos Dumont (MG),
no ano de 1939, quando tinha apenas 34 anos de idade. Vidas diferentes, fora
das quatro linhas, mas dentro dos gramados um consenso: ambos foram “monstros
sagrados” do futebol brasileiro. Dois nomes que merecem ser lembrados no dia da
“consciência negra”. José Lins do Rego fez sua parte no "dia da consciência negra", muito tempo antes de se estipular datas para reverenciar negros importantes na história do futebol brasileiro.
Para saber mais sobre Fausto, acessar:
http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=2448
Vale ainda acessar link de matéria especial sobre os 101 anos de Domingos da Guia, aqui no Literatura na Arquibancada:
Vale ainda acessar link de matéria especial sobre os 101 anos de Domingos da Guia, aqui no Literatura na Arquibancada:
Para saber mais sobre José Lins do Rego, acessar:
Fôlego e classe
José Lins do Rego
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Fausto, "A Maravilha Negra" |
Vi Fausto, aquele que o povo chamava de "Maravilha Negra", dentro de
um campo, com trinta mil pessoas, com os olhos em cima dele, vencendo
adversários, distribuindo "passes" com o domínio de um mágico. Era um
rei no centro do gramado, dando-nos a impressão que tudo corria para os seus
pés e para a sua cabeça. Ouvi, outro dia, torcedor, homem do povo, dizendo:
"Ah! Como o finado Fausto não aparece outro. Aquele comia a bola!".
Aí está bem a imagem verdadeira, a imagem que diz tudo. Comer a bola. É como se
a bola fosse só dele, uma comida de seus pés de maravilha. O que havia em Fausto é o que há em Brailowsky; é a perfeição da
virtuosidade, é gênio do artista que venceu as dificuldades com mais alguma
coisa que o exercício. Fausto não era só o homem feito pelo treino, era o dono
de uma fabulosa força nativa. O que dá a Brailowsky a sabedoria não é o cuidado
com a sua preparação, é o seu poder de ser da música como um instrumento feito
de carne e nervos. Um Fausto não se faz, nasce, projeta-se como obra de Deus.
Domingos é outro que é mestre desde os 19 anos de idade. Quando apareceu em
Bangu vinha para ser o maior de todos os tempos, uma natureza de homem frio que
trabalha como cirurgião. Não há na natureza dele o brilho, a cor. É um mestre
do claro-escuro. Domingos é dos que gostam de machucar os nervos das multidões.
Às vezes, ele brinca com fogo, arrasta o ser arco a perigos iminentes. E lento
como se quisesse matar os fãs do coração, ele faz as suas "tiradas"
que são verdadeiros golpes de vida ou morte. Domínio de nervos e de músculos
que nos deixa orgulhoso da espécie humana.
Mas, mais do que os homens lutam no gramado, há o espetáculo dos que trepam nas arquibancadas, dos que se apinham nas gerais, dos que se acomodam nas cadeiras de pistas. Nunca vi tanta semelhança entre tanta gente. Todos os setenta mil espectadores que enchem um "Fla-Flu" se parecem, sofrem as mesmas reações, jogam os mesmos insultos, dão os mesmos gritos. Fico no meio de todos e os sinto como irmãos, nas vitórias e nas derrotas. As conversas que escuto, as brigas que assisto, os ditos, as graças, os doestos que largam são como se saíssem de homens e mulheres da mesma classe. Neste sentido o futebol é como o carnaval, um agente de confraternidade. Liga os homens no amor e no ódio. Faz que eles gritem as mesmas palavras, e admirem e exaltem os mesmos heróis. Quando me jogo numa arquibancada, nos apertões de um estádio cheio, ponho-me a observar, a ver, a escutar. E vejo e escuto muita coisa viva, vejo e escuto o povo em plena criação.
Mas, mais do que os homens lutam no gramado, há o espetáculo dos que trepam nas arquibancadas, dos que se apinham nas gerais, dos que se acomodam nas cadeiras de pistas. Nunca vi tanta semelhança entre tanta gente. Todos os setenta mil espectadores que enchem um "Fla-Flu" se parecem, sofrem as mesmas reações, jogam os mesmos insultos, dão os mesmos gritos. Fico no meio de todos e os sinto como irmãos, nas vitórias e nas derrotas. As conversas que escuto, as brigas que assisto, os ditos, as graças, os doestos que largam são como se saíssem de homens e mulheres da mesma classe. Neste sentido o futebol é como o carnaval, um agente de confraternidade. Liga os homens no amor e no ódio. Faz que eles gritem as mesmas palavras, e admirem e exaltem os mesmos heróis. Quando me jogo numa arquibancada, nos apertões de um estádio cheio, ponho-me a observar, a ver, a escutar. E vejo e escuto muita coisa viva, vejo e escuto o povo em plena criação.
Outro dia acabava de ler um artigo de Augusto Frederico
Schmidt sobre clássicos e modernos. Jogava o Flamengo com o Fluminense. Era uma
partida que os jornais chamavam de clássica. Então ouvi dois pretos na
conversa: "é o que lhe digo, esta história de futebol ensinando demais dá
em 'lero-lero'. No meu tempo futebol se jogava no campo. E a gente via um
Candiota, um Néri, um Mimi Sodré e fazia gosto. Agora não. O jogador entra em
campo com o jogo mandado. E dá nisso, neste 'lero-lero'."
Ao o outro negro falou: "Qual nada. Isto é classe". "Que classe, que coisa nenhuma. São uns mascarados", foi dizendo o primeiro. "De que serve a classe se eles não têm fôlego?"
Ouviu-se um grito tremendo de todo o estádio. Era Domingos que fazia uma tirada como um toureiro que matasse um touro bravo.
"Este tem classes", disse o primeiro negro.
"É mas tem fôlego também", disse o segundo negro.
E aí estava todo o problema que eu e o poeta Schmidt debatíamos: Fôlego e Classe.
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