Este é o segundo post que o Literatura
na Arquibancada faz para a pequena série sobre Almir Morais de Albuquerque, que
ficou famoso como Almir Pernambuquinho, um dos mais polêmicos jogadores do
futebol brasileiro. Almir morreu tragicamente assassinado, por um grupo de
portugueses, no bar “Rio Jerez”, em frente à Galeria Alaska, em Ipanema, após
se envolver em uma discussão e acabar morto a tiro. Ele nasceu em Pernambuco,
no dia 28 de outubro de 1937 e morreu no dia 6 de fevereiro de 1973 com apenas
36 anos de idade. Jogou em grandes equipes do Brasil (Sport Recife, Vasco,
Santos, Corinthians, Flamengo, América do RJ), e do exterior (Boca Juniors, da
Argentina, Genoa, da Itália) e chegou a ser chamado de “Pelé branco”, porque
utilizou a camisa 10 do rei do futebol, quando Pelé ainda jogava pelo Santos.
Almir ganhou fama de valente,
catimbeiro e brigão. No livro autobiográfico Eu e o Futebol, confirma
não apenas esses adjetivos como também, logo em seu primeiro capítulo, afirma
que iria contar a história de um “marginal do futebol”. O depoimento de Almir
foi um dos mais contundentes na história do futebol brasileiro. Parecido com
ele, somente o de Floriano, no início da década de 1930 com o seu Grandezas
e Misérias do Futebol Brasileiro. Almir não poupou ninguém. Falou abertamente
sobre doping (que ele mesmo teria se submetido várias vezes), compra de juízes
e vários outros “podres” dos bastidores do mundo da bola. Não poupou nem mesmo
a equipe mais famosa do planeta, da qual fez parte, o fantástico Santos campeão
mundial interclubes.
O livro lançado em 1973, pelo
selo Biblioteca Esportiva Placar, na verdade, foi uma coletânea de artigos
lançados na revista, fruto do depoimento dado por Almir aos jornalistas Fausto
Neto e Maurício Azedo. O livro é um documento histórico, encontrado somente em
sebos. Neste segundo post, Almir explica como ganhou fama de violento, um testemunho que não esconde nenhuma das facetas que acompanharam o jogador, e muito menos, do verdadeiro ambiente que cerca um jogador às vésperas de entrar em um campo de futebol, seja dia de decisão ou dia de um jogo qualquer.
Eu fui um marginal do futebol.
Joguei como profissional durante onze anos no Brasil, na Argentina e na Itália.
Aqui no Brasil e na Argentina, uma legenda me acompanhou: a de violento. Fiz
muitos gols, construí jogadas para muitos artilheiros, ajudei alguns clubes a
conquistar títulos – o Vasco, o Santos, o Flamengo –, cheguei a ser chamado de “Pelé
branco” quando o Corinthians me contratou cheio de esperança, em 1960, mas só
fui amado pela torcida dos clubes onde joguei.
Para as torcidas adversárias e
para uma parte da crônica esportiva, eu era apenas isso: um marginal. Alguns
cronistas, como Armando Nogueira, do “Jornal do Brasil”, contribuíram para que esse
conceito se firmasse. Armando, a quem nem sequer conhecia e de quem nunca tive
raiva, disse mais de uma vez em sua coluna, muito lida e respeitada, que eu não
passava de um criminoso, um celerado.
Para muitos que não me viram
jogando, persiste a impressão de que eu não passei disso: um bandido. Até hoje,
no Maracanã principalmente, sei que muitos torcedores lamentam a minha ausência
ao verem um jogo engrossar, o pau cantar feio.
- Está faltando um Almir aí no
campo.
Muitos episódios de minha
carreira ajudaram a formação dessa imagem a meu respeito. Eu quebrei a perna de
um companheiro de profissão, Hélio, do América do Rio de Janeiro, que depois
desse acidente nunca mais voltou a jogar bola. Briguei com o time inteiro do
Bangu, quando o meu clube, o Flamengo, perdeu a decisão do Campeonato Carioca
de 1966.
Paralisei o time do Milan aqui no
Maracanã, em 1963, nos dois jogos em que o Santos se sagrou bicampeão mundial
de clubes: dei um chega-para-lá em Amarildo, que jogava por eles, chutei a
cabeça do goleiro Balzarini, e assim abri caminho para a nossa vitória. Dei
muito soco e pontapé em jogadores da seleção do Uruguai, inclusive o zagueiro
William Martínez, um grandalhão muito do folgado, quando o Brasil se sagrou
vice-campeão sul-americano de 1959, em Buenos Aires. Agredi jogadores de outros
times, briguei com tantos que até perdi a conta.
Por certo, poucos jogadores
participaram de tantos episódios violentos como eu. Daí a fama que peguei:
marginal, violento, celerado, bandido.
(...)
...a imagem que deixei não foi a
de craque, e sim a de marginal. Os que criaram esse conceito de mim não sabem o
que um jogador enfrenta no futebol. Não sabem, por exemplo, que há épocas em
que o jogador vive apenas do bicho das vitórias, e que cada jogo tem que ser
travado como uma guerra, porque dele depende a subsistência da família, o pagamento
da prestação de um apartamento, a boa roupa, o automóvel, o conforto. Os caras
que conhecem o futebol por dentro, como o João Saldanha, sabem o que o bicho
representa. Lá dentro do campo não tem isso de amigo, companheiro. É a lei do
cão: ou eles ou nós.
Eu queria que esses caras fossem
a uma concentração, às vésperas de jogo importante, ou ao vestiário, no começo
ou intervalo de uma partida, para ver quanta pressão psicológica é feita sobre
os jogadores. Para ver quanto medo e quanta tensão dominam cada um deles.
Posso falar porque sempre fui um
jogador frio. Mas vi muita paúra nos vestiários, até mesmo em jogos comuns, que
não decidem nenhum título. Antes do jogo há o aquecimento nos vestiários, a
gente troca idéias, brinca, um mexe com o outro, mas não se consegue disfarçar
a tensão. Eu, por exemplo, acompanhava tudo com naturalidade: só calçava as
chuteiras na hora de entrar em campo, ficava de camisa, calção e meias, bem
tranqüilo, sem pressa. Ia ao mitório sem preocupação, e logo ouvia atrás um
cara assobiando uma música qualquer. Eu nem olhava para ver quem era: o cara
não estava alegre, não, era medo puro. Com medo ou sem medo, é preciso decidir
as coisas lá no campo, sabendo que o bicho está em jogo: ou eles ou nós.
Muitas vezes o jogador tem que
definir as coisas antes mesmo de a bola entrar em jogo. Tem que se chegar perto
do adversário e advertir que não vai haver moleza, eles que se cuidem porque a
parada é de vida ou morte.
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