Um conto fantástico da poeta, dramaturga e ficcionista, Hilda Hilst, que estreou
em 1950, com o livro de poemas Presságio.
Hilda tem mais de 30 títulos publicados em diversos idiomas. O conto abaixo foi publicado originariamente no livro organizado pelo escritor Flávio
Moreira da Costa, “Onze em campo e um banco de primeira”, em 1998, pela Relume
Dumará; e depois, reeditado numa edição ampliada, de 2006, “22 contistas em
campo”, pela Ediouro. Uma preciosidade garimpada pelo craque da literatura
brasileira, Flávio Moreira da Costa, que deve fazer parte de qualquer Literatura na Arquibancada. Escrever um parágrafo do tamanho que Hilda fez, sem deixar o leitor respirar e dando cada vez mais força, beleza e sentido ao tema proposto, não é para qualquer um...
Para conhecer a obra de Hilda Hilst, acessar:
Conheça também o site da escritora www.hildahilst.com.br. Não deixe de
nesta visita conhecer também o Instituto Hilda Hilst, Centro de Estudos Casa do
Sol, um projeto fantástico sobre a vida e a obra da autora.
Aguenta
Coração
Olha,
tenta: segura a bola e alisa, transfere, vagueia, como se a bola tivesse a
lisura de uma boa cabeça, isso, pensa a cabeça do Lula, metalurgia lanosa,
alisa agora bigodes, pradaria, encosta a bola na coxa, concentra, goza, não era
um assim que você sempre queria?
Segura aproximando, te cola, a cabeça entre os peitos, teus dois redondos e esse terceiro doce lúbrico veemente, respira, engole teu discursivo, a semente das coisas ausente de fonemas, nos fundos alagados, cala, sofre a bola, pensa no perfeito de toda redondez, ama essa forma, lambe, respira mais fundo, mais, dá um tempo, conhece o reverso agora, os avessos, o reverso é a cabeça dos reis, escurece o gesto, pisoteia, pensa nas tiranias, no soberbo dos outros, os de escudo e couro, no manso-melado que se fez teu ser, na cuspida de tantos sobre a tua vida, odeia, agora vai devagar rondando, rondando a bola, e ao teu redor avalia, avalia sob os pés de quem essa bola-cabeça vai cumprir exata tua lúdica escondida trajetória, ponta de aço teu pé, liso cortante esse teu chute vai separar dente e raiz, pensa o redondo triturando o agudo de tudo, uma bola-matriz triturando farpas botas, esmaga com teu chute o rubro lucro das multi-irracionais, traz a bola de volta, leve líquida é apenas uma bola entre os teus pés sobe sobre ela, sobre a vida, equilibra-te no ilimitado tenso, no lívido gramado, a bola-vida a besta-bola, escuta os urros, patina sobre os escarros, desacertos ainda, como vês, mas de novo amor intenso como no início do relato, Lula de pé luzindo metálico sobre o gramado, respira fundo, mais, conserva-te inteiriça sob o arco desses pés. Goleia.
Segura aproximando, te cola, a cabeça entre os peitos, teus dois redondos e esse terceiro doce lúbrico veemente, respira, engole teu discursivo, a semente das coisas ausente de fonemas, nos fundos alagados, cala, sofre a bola, pensa no perfeito de toda redondez, ama essa forma, lambe, respira mais fundo, mais, dá um tempo, conhece o reverso agora, os avessos, o reverso é a cabeça dos reis, escurece o gesto, pisoteia, pensa nas tiranias, no soberbo dos outros, os de escudo e couro, no manso-melado que se fez teu ser, na cuspida de tantos sobre a tua vida, odeia, agora vai devagar rondando, rondando a bola, e ao teu redor avalia, avalia sob os pés de quem essa bola-cabeça vai cumprir exata tua lúdica escondida trajetória, ponta de aço teu pé, liso cortante esse teu chute vai separar dente e raiz, pensa o redondo triturando o agudo de tudo, uma bola-matriz triturando farpas botas, esmaga com teu chute o rubro lucro das multi-irracionais, traz a bola de volta, leve líquida é apenas uma bola entre os teus pés sobe sobre ela, sobre a vida, equilibra-te no ilimitado tenso, no lívido gramado, a bola-vida a besta-bola, escuta os urros, patina sobre os escarros, desacertos ainda, como vês, mas de novo amor intenso como no início do relato, Lula de pé luzindo metálico sobre o gramado, respira fundo, mais, conserva-te inteiriça sob o arco desses pés. Goleia.
Fonte:
“22
contistas em campo” – Ediouro (seleção de Flávio Moreira da Costa), 2006, RJ,
pg. 158
e “11
em campo e um banco de primeira”, RJ, Relume Dumará, 1998.
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