O MOMENTO FELIZ
Com o arremesso das feras
E o cálculo das formigas
A Seleção avança
negaceia
recua
envolve.
É longe e em mim.
Sou o estádio de Jalisco,
triturado
de chuteiras, a grama sofredora
a bola mosqueada e caprichosa.
Assistir? Não assisto. Estou jogando.
No baralho de gestos, na
maranha
na contusão da coxa
na dor do gol perdido
na volta do relógio e na linha
de sombra
que vai crescendo e esse tento
não vem
ou vem mas é contrário… e se
renova
em lenta lesma de replay.
Eu não merecia ser varado
por esse tiro frouxo sem
destino.
Meus onze atletas
são onze meninos fustigados
por um deus fútil que comanda a
sorte.
É preciso lutar contra o deus
fútil,
fazer tudo de novo: formiguinha
rasgando seu caminho na
espessura
do cimento do muro.
Então crescem os homens. Cada
um
é toda luta, sério. E é toda
arte.
Uma geometria astuciosa
aérea, musical, de corpos
sábios
a se entenderem, membros
polifônicos
de um corpo só, belo e suado.
Rio,
rio de dor feliz, recompensado
com Tostão a criar e Jair
termimando
a fecunda jogada.
É gooooooooool na garganta
florida
rouca exausta, gol no peito meu
aberto
gol na minha rua nos terraços
nos bares nas bandeiras nos
morteiros
gol
na chuva de papeizinhos picados
celebrando
por conta própria no ar: cada
papel,
riso de dança distribuído
pelo país inteiro em festa de
abraçar
e beijar e cantar
é gol legal é gol natal é gol
de mel e sol.
|
Ninguém me prende mais, jogo
por mil
jogo em Pelé o sempre rei
republicano
o povo feito atleta na poesia
do jogo mágico.
Sou Rivelino, a lâmina do nome
cobrando, fina, a falta
Sou Clodoaldo rima de Everaldo.
Sou Brito e sua cabeçada,
com Gerson e Piazza me
acrescento
de forças novas.Com orgulho
certo
me faço capitão Carlos Alberto.
Felix, defendo e abarco
em meu abraço a bola e salvo o
arco.
Como foi que esquentou assim o
jogo?
Que energias dobradas afloraram
do banco de reservas
interiores?
Um rio passa em mim eu sou o
mar atlântico
passando pela cancha e se
espraiando
por toda a minha gente reunida
num só vídeo, infinito, num ser
único?
De repente o Brasil ficou unido
contente de existir,
trocando morte
o ódio, a pobreza, a doença, o
atraso triste
por um momento puro de grandeza
e afirmação no esporte.
Vencer com honra e graça
com beleza e humildade
é ser maduro e merecer a vida,
ato de criação, ato de amor.
A Zagalo, zagal prudente,
E os seus homens de campo e
bastidor
Fica devendo a minha gente
Este minuto de felicidade
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fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond. Quando é dia de futebol. Rio de Janeiro: Record.2002.
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