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Integrantes da mesa redonda, Resenha Facit fonte: ABI - Associação Brasileira de Imprensa |
No final de 1963, surgiu no Rio de Janeiro,
um programa que iria inovar as discussões em torno da maior paixão do
brasileiro. Uma verdadeira seleção de craques da imprensa esportiva fora
convocada para formar a mais famosa mesa-redonda da televisão brasileira.
A Grande Resenha Facit, da TV Rio, foi
criada por acaso, no dia em que Luiz Mendes,
que se tornou âncora do programa, entrou na sala de Walter Clark, o
todo-poderoso da TV Rio, no exato momento em que várias pessoas assistiam a uma
mesa-redonda com a participação de cronistas políticos como Oliveira Bastos, da
Tribuna de Imprensa, Villas Boas
Correa, do Correio da Manhã, Carlos
Castelo Branco (Castelinho), do Jornal do
Brasil, e Murilo Melo Filho, da revista
Manchete. Todos, na sala, em silêncio, acompanhavam atentamente o debate.
No intervalo, Luiz Mendes comentou com Walter: “Esses caras só se reúnem de quatro em quatro anos, quando tem eleição.
Por que não fazemos um programa esportivo, uma mesa-redonda igual a essa, mas
com figuras da crônica esportiva?”. Walter Clark olhou para
Luiz Mendes e não disse nada; o debate político voltou, e no intervalo seguinte
o diretor da TV Rio disse: “Ô gaúcho (era
assim que Clark o chamava), você sabe
que encontrou um veio de ouro?”
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Luiz Mendes fonte: ABI - Associação Brasileira de Imprensa |
Clark continuou a conversa e deixou claro a
Mendes que queria o programa no ar em quinze dias. Começou então a escolha dos
nomes. Clark sugeriu Armando Nogueira, que trabalhava como articulista do Telejornal Pirelli. Mendes indicou João
Saldanha, comentarista da Rádio Guanabara. O terceiro integrante seria José
Maria Scassa, um “flamenguista doente”, que ficaria responsável por trazer o
patrocínio para o programa, pois era amigo pessoal do sueco Gunar Görenson,
diretor do Flamengo e dono da empresa Facit, fabricante de máquinas de calcular
para escritório. Clark indicou mais um nome de peso: Nelson Rodrigues.
O time estava montado, cada jornalista
escolhido representaria uma paixão do torcedor carioca. Saldanha, o Botafogo;
Nelson, o Fluminense; Scassa, o Flamengo; e como Armando Nogueira também tinha
uma queda pelo Botafogo, estava faltando um vascaíno para completar a equipe.
Foi então que surgiu a indicação de Vitorino Vieira, vascaíno e funcionário da
Facit. Com o tempo, novos feras foram incorporados ao time, como o produtor
Augusto Melo Pinto, Alain Fontan, francês que trabalhava na agência de notícias
France Press no Rio de Janeiro, Hans
Henningsen, jornalista espanhol radicado no Rio de Janeiro, que Nelson
Rodrigues apelidou de “o marinheiro sueco”, Mário Vianna, Abrahim Tebbet e o
médico da seleção brasileira, Hilton Gosling.
Tudo pronto, a mesa-redonda transformou-se em
programa obrigatório aos domingos para o torcedor carioca e eterno modelo para
gerações futuras. Pouco tempo depois, em 1966, o nome do programa foi alterado
para Grande Revista Esportiva Facit e sua exibição feita por uma nova
emissora: TV Globo. Nessa nova fase, o programa teve a apresentação de Luís
Alberto, já que Luiz Mendes ficou na TV Rio.
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Nelson Rodrigues: "A nossa resenha ensina mais sobre o país do que Os Sertões no princípio do século” |
Para se ter noção do que os debates
protagonizados na mesa-redonda representaram até 1969, período em que foi ao
ar, basta reler a definição de Nelson Rodrigues: “Se a Mesa Facit existisse no tempo de Euclides da Cunha, este a
teria preferido a Canudos – a nossa resenha ensina mais sobre o país do que Os
Sertões no princípio do século”.
Curiosamente, apesar do sucesso enorme do
programa esportivo na televisão, Luiz Mendes confessa que a idéia criativa
surgiu em um momento de desespero pessoal: “Dei a idéia do programa na esperança que fosse implantado porque
precisava aparecer. Os clubes cariocas proibiram a presença da TV nos estádios.
Muita gente estava sem trabalho, inclusive eu. Foi o único momento de minha
longa carreira em que temi pelo futuro”.
Mal sabia Luiz Mendes que dias muito piores
estavam chegando. Em 1964, estoura o golpe militar, arrastando para o fundo do
buraco um número enorme de grandes veículos de comunicação, entre rádios, jornais
e televisões. Luiz Mendes sofreu na pele as primeiras conseqüências do governo
“revolucionário”, por sua origem gaúcha e pela proximidade que tinha com o
presidente deposto João Goulart. Obrigado a ler um manifesto contrário a Jango
por militares que invadiram os estúdios da TV Rio, Mendes esquivou-se com essa:
“Minha função na TV Rio é narrar
futebol e boxe”.
Inconformados com a recusa, os militares
insistiram, dessa vez com João Saldanha, também presente à cena. A resposta do
velho comunista não poderia ser outra: “Eu
não sei ler nada em televisão, só faço coisas de improviso”. Mendes
também tinha uma razão especial para sua negativa. Durante a campanha de João
Goulart ele era o narrador dos jingles da propaganda política do candidato.
A crise no governo refletia-se diretamente
nas redações de jornais, rádios e televisão. A Rádio Mayrink Veiga acabou
fechada porque pertencia ao grupo de Leonel Brizola. A poderosa TV Excelsior,
que voava alto no mercado das comunicações, teve fim melancólico. Dois anos
após o golpe, o controle acionário do grupo já pertencia ao grupo Folha da Manhã. Mário Wallace Simonsen, proprietário da empresa, suicidou-se em
Paris, em 1965. No dia 30 de setembro de 1970, a Excelsior fechou as portas.
A TV Continental também entrou em crise.
Rubens Berardo, seu proprietário e deputado pelo PTB, não contava com a
simpatia do novo governo militar. O departamento de esporte, um dos carros
chefe da emissora, começava a ser desmantelado pela falta de anunciantes.
Jornalistas também passaram a ser
perseguidos. João Saldanha, por exemplo, teve de fugir pelo telhado do prédio
do jornal Última Hora. Convidado a participar de diversos programas de
rádio, jornal e televisão, Saldanha tentava driblar a perseguição dos militares
que peregrinavam pelas várias redações. Em um fim de tarde em que estava na
Rádio Nacional, recebeu de Jorge Curi, chefe do esporte da emissora, a
proibição de falar ao microfone da rádio governista. A resposta veio ao estilo
de Saldanha: “Olha Curi, manda os teus
militares enfiarem este microfone no rabo”.
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