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Adriano Neiva, "De Vaney" |
Ele ficou famoso por ter sido o único jornalista a "enfrentar" o rei do futebol, Pelé, com o lançamento do livro A verdade sobre Pelé (Editora Ypiranga, 1975), um livro que se tornou raridade pelas polêmicas levantadas por De Vaney a respeito do maior ídolo mundial do futebol. Este episódio ofuscou em parte a carreira de um dos pioneiros do jornalismo esportivo brasileiro. O texto abaixo faz parte do livro "os Donos do Espetáculo - Histórias da Imprensa Esportiva do Brasil"
Adriano Neiva, o popular De Vaney, ficou famoso no meio esportivo
a partir da década de 1950, pelas pesquisas e estatísticas produzidas sobre a
vida de Pelé, o rei do futebol. Mas em 1938, Edson Arantes do Nascimento sequer
havia nascido, e o Pelé da época era Leônidas da Silva, o popular Diamante
Negro. De Vaney não era um jornalista inexperiente, já havia participado da
cobertura de duas Copas, em 1930, no Uruguai, para O Globo; e em 1934,
na Itália, para o Correio da Manhã.
Uma entrevista exclusiva com o craque Leônidas, faltando apenas
dois meses para o início da Copa do Mundo, representava muito mais do que um desafio,
era pura necessidade. De Vaney estava desempregado, despedido do cargo de
repórter político em O Globo por causa da decretação do Estado Novo e o
fechamento do Congresso, em 1937. O novo emprego no Diário de Notícias
chegou por causa da experiência internacional adquirida durante o período em
que morou na França, quando foi nomeado pela Câmara Federal adido comercial do
Itamaraty. Na Europa, De Vaney escrevera, entre 1928 e 1929, como
correspondente do Rio Jornal, Gazeta de Notícias e A Notícia.
O início da carreira de jornalista começou cedo. Apesar de morar
no Rio de Janeiro, seu pai era um médico famoso na cidade de Ribeirão Preto,
interior de São Paulo. Com a morte precoce do pai, aos 33 anos, De Vaney
mudou-se para a capital da República, onde morou com a mãe, na casa de seu avô.
A paixão pelo futebol surgiu por causa do endereço de sua nova residência, na
rua Álvaro Chaves, onde também estava a sede do Fluminense. Com apenas 11 anos
de idade, De Vaney decidiu que queria ser jornalista, e com a ajuda de seu avô
foi apresentado a Humberto Campos, diretor de O Imparcial. Três anos
depois, já era dono do jornal quinzenal Beira-Mar, que circulava pelas
praias de Botafogo, Leme, Copacabana e Flamengo. Aos 17 anos, assinava uma
coluna diária no Rio Jornal, sobre o cotidiano carioca, com o pseudônimo
de Paulo Guanabara. Em 1925, quando completou 19 anos, entrou para o
recém-criado O Globo, de Irineu Marinho, no qual passou a ser repórter
político, cobrindo a Câmara Federal.
No Diário de Notícias, em 1937, De Vaney receberia a missão
de escrever uma série de matérias sobre vários políticos influentes, de Hitler
a Churchill, por causa da iminência de um conflito mundial: “eu ganhava 10 mil
réis por série, que saía uma vez por semana. O dinheiro mal dava para a comida,
por isso eu e um amigo fazíamos uma refeição por dia. Era um prato sortido que
custava oitenta réis e vinha com um talher apenas. Assim, nós tirávamos par ou
ímpar para saber quem ficava com a colher primeiro”.
O trabalho rendeu quarenta artigos, mas um dia o material acabou e
aí chegou a ordem de João Dantas, diretor do Diário de Notícias, para
que De Vaney fizesse uma entrevista com o craque do Flamengo, Leônidas da
Silva: “fui encontrá-lo no Café Rio Branco. Disse que queria fazer uma matéria,
e a resposta foi ‘fale com meu secretário’. Não tive dúvidas, fui e aceitando o
desafio resolvi fazer uma matéria avançada para a época”.
Foram quase duzentas linhas de pura criatividade, onde os leitores
eram transportados a cenários reais de uma partida de futebol, especialmente
para as jogadas espetaculares do Diamante Negro: “Um chute. Uma bola que sobe.
Uma bola que desce. Um corpo que sobe. Uma testa que bate. Uma rede que estufa
e um grito. Gooll! Somente no final da crônica de dez laudas revelei o nome do
jogador – Leônidas da Silva”.
Por causa da extrema necessidade que tinha de ver aprovada a
matéria, De Vaney estava ansioso. No dia seguinte, porém, o encontro com o
diretor do jornal marcaria definitivamente seu futuro no jornalismo esportivo:
“Ele me recebeu de braços abertos, elogiando a crônica, falando dos telefonemas
que recebera e que eu poderia escrever quantas quisesse, não mais por 10 mil,
mas por 50 mil réis cada uma. Corri, pedi uma máquina emprestada e meti a cara
no mato, como se costumava dizer. Passei a escrever diariamente e quando o
assunto no Rio esgotou, fui a São Paulo e outras cidades. Entrevistei,
inclusive, Arthur Friedenreich, que na época estava na capital paulista”.
O resultado da série de reportagens rendeu o livro Os imortais do nosso futebol, lançado
pouco tempo depois da entrevista com Leônidas e sucesso editorial no Brasil
inteiro: “melhorei de vida e fui até prestar concurso público para o cargo de
redator no Serviço de Vigilância Sanitária e Vegetal no Porto”. Era
o primeiro concurso público desse setor que se realizava e os aprovados teriam
de escrever a revista Defesa Vegetal.
De Vaney foi aprovado, e por obter a segunda colocação teria o privilégio de
optar pela cidade onde trabalhar. Entre Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre
e Santos, o jornalista escolheu a última opção, cidade de onde nunca mais
sairia.
A troca do Rio de Janeiro pelo litoral paulista não era fruto
apenas da aprovação no concurso público. Na verdade, dinheiro não era mais
problema após o sucesso do livro recém-lançado. O problema era o vício por uma
outra espécie de jogo. No Cassino da Urca, De Vaney descobriu o lado triste de
um viciado: “Um dia, cometi a maior das vilezas. Roubei uma jóia de minha mãe
para empenhá-la no cassino, para cobrir uma dívida de jogo. Minha mãe culpou a
criada. E eu não apareci em casa durante mais de um mês. Aquilo começou a me
roer por dentro. Até que consegui coragem e confessei tudo. Mas não tive
coragem para continuar lá”.
De Vaney estava recém-casado e a aprovação no concurso público só
o fez apressar o passo rumo à cidade de Santos, onde começaria a fazer sua
longa história no jornalismo esportivo.
(...)
Ganhar a fama de jornalista polêmico poderia ser sinal de
respeito, mas quem se decidisse por essa opção haveria de ter consciência de
que os dias de tranqüilidade tinham acabado. Em casos extremos, até mesmo o
futuro profissional estava em jogo.
Em dezembro de 1976, o homem que havia dedicado os últimos 25 anos
de sua vida profissional para reverenciar o maior jogador de futebol de todos
os tempos lançou um livro-bomba na história do futebol brasileiro. Jamais
alguém tentara macular a imagem de Pelé, o rei do futebol, e quando os ataques
partiam de De Vaney, um de seus maiores defensores durante a carreira
profissional, era sinal de que alguma coisa grave havia acontecido entre os
dois.
Pelo título da obra, que teve tiragem de 4.000 exemplares, nota-se o tamanho da encrenca: A
verdade sobre Pelé: as fantasias, os exageros, o mito e a história de um
desertor. Ao longo do texto, é possível perceber que De Vaney passou
a odiar Pelé no momento em que o rei do futebol anunciou que não iria mais
defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha.
Em trezentas páginas, o jornalista revira do avesso a vida do
craque-herói, atrás de pontos negativos em sua carreira. A idéia é tentar
comprovar a tese de que o maior jogador de futebol de todos os tempos não era
um santo como todos pintavam. Logo na apresentação, De Vaney faz questão de
publicar um depoimento de Pelé feito em 31 de maio de 1971 ao repórter Denis
Menezes, de O Globo, no qual o jogador dá três justificativas para a
decisão de abandonar o futebol: “Primeiro
fui malhado pela unanimidade da crônica brasileira quando nos preparávamos para
o Mundial do México; segundo, as saudades da família me atormentavam, quero
estar mais em meu lar, junto aos meus; e terceiro, dentro de pouco tempo
encerrarei definitivamente a minha carreira de futebolista. E a minha decisão
de deixar o futebol é irreversível. Ninguém conseguirá que eu volte atrás. Não
sou homem de duas palavras”.
De forma detalhada, De Vaney responde a cada uma das afirmações de
Pelé e tenta alertar o leitor para as verdades sobre o rei do futebol: “A decisão de Pelé em deixar a Seleção
Brasileira foi conseqüência dos cálculos que fez entre o pouco que recebia
jogando pelo Brasil (no Torneio Independência/1972 e na Copa do Mundo/1974) e o
muito que ganharia pelo Santos Futebol Clube, 8 mil dólares por jogo, 48 mil
cruzeiros, fora as gratificações extras. Além disso, se continuasse na Seleção,
teria de submeter-se às concentrações, o que lhe vedaria o cumprimento de
contratos com grandes empresas das quais recolhia alentadas somas em dinheiro
pelas promoções que delas fazia. E foi por isso, exclusivamente por isso – como
se verá nas páginas à espera do leitor –, que Pelé, ao invés de entrar em
campo, na Alemanha, com a camisa do Brasil, acabou surgindo – quatro minutos
antes dos brasileiros – trajando vestimentas berrantes e, no casaco, à altura
de seu coração, lá estava a marca registrada; o símbolo de uma companhia de
refrigerantes, com a qual firmara contrato antes de abandonar a Seleção
Brasileira. Essas, as razões autênticas, incontestáveis, da omissão de Pelé. O
resto é pano quente, sofisma, desculpa de quem ou quais, cegos pelo fanatismo
ou a serviço de fins inconfessáveis, buscam desenhar a figura de cordeiro
jejuno em quem tanto tem provado ser lobo esfaimado, ou imprimir a face de
herói nacional no rosto de um consumado ‘desertor’”.
Na biografia do jornalista De Vaney escrita por Ted Sartori, o
autor afirma que “o cronista teria
colocado Pelé, aos prantos, para fora de sua casa, quando esse fora dar
explicações a respeito de sua saída da Seleção”. A revolta de De Vaney
com Pelé, na verdade, teve vários capítulos até chegar à formatação do
livro-bomba. Em 1974, pouco antes do embarque do craque para os Estados Unidos,
o jornalista publicou no jornal para o qual escrevia uma “Carta aberta ao
número 10, Pelé”.
Nas páginas do Cidade de Santos, De Vaney detonava o maior
jogador de todos os tempos do futebol brasileiro: “Quando os jornais, rádios, tevês se ocupavam somente de você, sem se
referirem aos seus companheiros de equipe, você, longe de reprimir essa
injustiça aos que participavam da mesma luta, estimulava essas citações
individuais com o seu silêncio e o seu sorriso, ou seja, com o seu assentimento.
E essa sua atitude culminou, ao deixar – sem um protesto – que ganhasse corpo e
se alastrasse pelo mundo afora a denominação contundente e humilhante a seus
colegas de elenco : ‘Pelé e Cia’, ‘Pelé e mais dez’, o que valia por dizer,
mais dez criados, mais dez vassalos, mais dez meninos de recados, mais dez
escravos a seu inteiro dispor, a lhe servir bolas de ouro em bandejas de prata
para você fazer os gols que formaram os degraus da escada que levou você ao céu
do prestígio e da fortuna [...] Combati, combato, combaterei todos esses
excessos, porque você, Pelé, com todo o seu futebol, é um, e um, em qualquer
aritmética, mesmo na aritmética da fantasia, do engodo ou da mentira – um é
menos que dez que formavam o seu time, o que seria você, Pelé? [...] E você, já
totalmente mercantilizado, virou as costas ao Brasil, e apontou a imprensa como
uma das responsáveis por essa resolução. Justamente a imprensa, Pelé! Essa
mesma imprensa que outra coisa não havia feito, do que lhe dar de mamar em seu
seio farto de elogios [...]”.
Podia parecer inveja, despeito ou qualquer outro sentimento que o
jornalista nutrisse contra Pelé, mas era apenas fruto da postura extremamente
nacionalista de De Vaney: “Entre Pelé
e minha pátria, não penso duas vezes, eu sou minha terra. Talvez seja cafona,
mas morro cafona. E também uma questão de fidelidade à profissão única que tive
até hoje [...] Ele é fruto apenas de meu idealismo que não aceita privilégios
contra o direito comum”.
A tiragem inicial da obra esgotou-se rapidamente, e não houve
tempo para uma segunda impressão, pois em pouco tempo foi recolhida das
livrarias e bancas : “Um lobby formado
pelas 25 maiores agências de propaganda do país ameaçou retirar seus anúncios
da empresa jornalística em que De Vaney trabalhava na época (Folha da Manhã
S/A). A força do capital saiu vencedora [...] Quem tem esse livro tem uma
relíquia em casa”. Álvaro, filho de De Vaney, tem razão. Mesmo com a
quantidade enorme de sebos espalhados pelo Brasil, dificilmente se encontra um
exemplar disponível do livro. Por isso a importância de detalhar a contundência
das acusações de De Vaney, que em 1976 já havia publicado vinte livros em sua
longa carreira.
No ano seguinte, em 1977, De Vaney iniciou a publicação de suas
memórias em fascículos semanais no jornal Cidade de Santos. “Minhas
memórias do futebol” é um documento raro e precioso da história do futebol
brasileiro. Terminou somente onze anos depois, em 1984, quando o jornalista,
aos 76 anos de idade, já estava com sérios problemas de saúde. Com a morte de
De Vaney, em janeiro de 1990, a família do jornalista decidiu transformar sua
casa no Centro de Memória Esportiva De Vaney. Sem contar com estrutura
adequada, o local teve diversos documentos e arquivos preciosos roubados, até que
a prefeitura Municipal de Santos o estruturou da maneira correta.
Tenho um exemplar deste livro (A verdade sobre Pelé) Fiquei surpreso quando soube que se trata de uma obra rara !!!
ResponderExcluirEsse livro precisa ser lançado livremente na rede para que todos tenham acesso a essas verdades!!!
ResponderExcluirEspero que isso aconteça logo?? Já!!!
Como entrar em ctt com Alvaro MOtta, filho do Adriano, para ter acesso a obra sobre a verdade a respeito da maior mentira do futebol mundial?
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