Em 2010, o SESC, de Santos organizou a exposição e vídeo-instalação "É 10!". O evento prestou homenagem aos 70 anos de Pelé e outros craques do mundo que se destacaram vestindo a camisa 10. Para quem não viu, compartilho aqui os textos que produzi para o evento.
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Perdas
Diz um ditado no meio esportivo
que o difícil não é chegar ao topo, mas se manter nele. Talvez por isso a
responsabilidade de “ser 10”, no futebol, traga inúmeras implicações sobre as
atitudes que tomamos em todos os momentos de nossas vidas.
Não são poucos os que sucumbem à
pressão da perfeição, se é que ela existe. Manter-se como o melhor, no esporte,
na escola ou no trabalho é parte de uma longa caminhada que está ligada às escolhas
que fazemos. Vencer ou perder é consequência dessas escolhas. Saber lidar com o
peso dessas decisões determinará o sucesso ou o fracasso de nossas opções.
Ser o melhor, “ser 10” é o fim a
ser conquistado, com sofrimentos e desilusões, coragem e heroísmo.
Como se sentem os homens, do
futebol ou do cotidiano de tantas atividades profissionais, no momento em que
são colocados “sob pressão”? Seria a derrota o maior “fantasma” a ser
enfrentado pelos homens?
Foi assim com o italiano Roberto
Baggio, ao perder o pênalti decisivo na Copa do Mundo dos Estados Unidos, em
1994. É assim com o aluno que estuda com afinco para o vestibular e não vê seu
nome na lista de aprovados.
Michael Jordan, astro do basquete
mundial, disse certa vez: “errei
mais de 9 mil arremessos, perdi mais de 300 jogos, 26 vezes me foi confiado o
arremesso da vitória… e eu errei, mas foi por isso que obtive sucesso.”
O que diferencia o homem comum
dos vencedores é a forma incansável da luta pelos resultados. Vale a pena parar
e refletir: dor e derrota são sempre mais lembradas do que vitórias?
A resposta talvez seja sim. Não
fosse assim como classificar a frase de Ghiggia, autor do gol da vitória do
Uruguai sobre o Brasil na Copa de 1950?: “Apenas três pessoas, com um único
gesto, calaram o Maracanã com 200 mil pessoas: Frank Sinatra, o Papa João Paulo
II e eu.”
Ser 10, no futebol ou na vida,
representa estar submetido constantemente à pressão pela vitória, ainda mais na
atual sociedade, extremamente competitiva. Vencer tornou-se quase uma obsessão.
Chegar em segundo é coisa dos fracos.
Em uma sociedade seletiva como a
brasileira, chegar em segundo pode significar não obter a vaga ou a promoção em
um emprego. Perdedores são malvistos pela sociedade e, por isso, talvez tenha
surgido no país a mentalidade e a prática do “jeitinho brasileiro”, aquela em que
a meta é ganhar a todo custo, sem medir as consequências. Exemplos não faltam,
desde “colar” do amigo inteligente na sala de aula para não decepcionar os
pais, até inventar qualificações profissionais em um currículo para conseguir a
vaga de um emprego.
Estamos rodeados pelo contexto do
“ser o melhor, ser 10”. Não basta estar na lista dos dez mais, dos livros,
filmes, música ou até mesmo, do funcionário do mês de uma loja de fast food ou ainda do melhor professor
de uma academia de ginástica.
Só o primeiro, só o vitorioso
merece os louros. Só ele terá a foto
estampada para todos verem, como se nada e ninguém mais existisse. É assim no
futebol, é assim na vida. Derrotas não deveriam deixar um gosto tão amargo na
boca, assim como apenas vitórias dos primeiros lugares não deveriam ser tão
valorizadas. Superar limites reais não seria então a maior vitória que uma
pessoa comum ou um atleta poderia desejar?
Jo Azer, mestre da arte marcial
vajramushti há quase 40 anos, propõe uma reflexão muito interessante sobre a
maneira como enfrentamos vitórias e derrotas: “Na vida, ocorre um processo
evolutivo que pode oferecer mil derrotas com o intuito de que você chegue à
única e verdadeira vitória, aquela sobre si mesmo, sobre o seu excesso de
individualidade”. E parodiando um filósofo, cita um pensamento que norteia sua
vida: “Um verdadeiro homem trata uma pepita de ouro e um pedaço de carvão como
a mesma coisa. O ouro ele gasta e o carvão ele queima”.
Fontes:
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