Em 2010, o SESC, de Santos organizou a exposição e vídeo-instalação "É 10!". O evento prestou homenagem aos 70 anos de Pelé e outros craques do mundo que se destacaram vestindo a camisa 10. Para quem não viu, compartilho aqui os textos que produzi para o evento.
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Goleiro também é 10
Eles
são as principais vítimas dos homens que fazem a magia da 10, mas também
representaram durante toda a história do futebol uma barreira, muitas vezes
intransponível à consagração de muitos craques, da 10 ou de qualquer outra
camisa. Apesar de tradicionalmente utilizarem o número 1, ao longo da história
já foram 8, 22, 23, 12, e até 5. Goleiros são os heróis com comportamento
típico de 10, afinal, na rotina diária de qualquer cidadão, em casa ou no
trabalho, “estamos sujeitos a levar um gol inesperado, a tomar um frango, ou a
fazer uma defesa milagrosa”.
Goleiros
não são diferentes dos demais jogadores em campo somente pelos uniformes e
acessórios utilizados e muito menos pelo privilégio de serem os únicos a
poderem pegar as bolas com as mãos. São heróis e anti-heróis. Vão do céu ao
inferno em segundos, pois a defesa milagrosa será absolutamente esquecida após
sofrer um gol decisivo que levará sua equipe à derrota.
Participam
de um jogo como se estivessem confinados em uma jaula, aquele pedaço do campo
demarcado por um retângulo gigante, cercada de personagens amigos e inimigos,
defensores e atacantes adversários.
Em
suas mãos está o sucesso ou o fracasso dos craques. Não poderia existir posição
mais dúbia do que a de um goleiro. Muitas vezes derrotados em um jogo, são
aclamados heróis. Vencedores de uma batalha, acabam taxados muitas vezes de
“frangueiros”.
Uma
declaração histórica feita por um dos maiores goleiros da história do futebol
brasileiro define o martírio vivido por aqueles que escolheram essa ingrata
posição. Barbosa, goleiro da seleção brasileira na decisão contra o Uruguai, na
Copa de 1950, foi responsabilizado pela derrota e sofrimento de 200 mil
torcedores brasileiros presentes no estádio e outras dezenas de milhares que
ouviam a transmissão da partida pelo rádio. Muitos anos depois, refletindo
sobre o ocorrido naquela tarde, Barbosa disse, pouco antes de sua morte, em
2000: “No Brasil a pena maior por um crime são 30 anos. Eu pago há 50 por um
crime que não cometi”.
A
triste história de Barbosa contrasta de forma absoluta com a de goleiros
considerados verdadeiros “deuses da meta”. Além de defesas espetaculares e
responsáveis por títulos nos clubes e seleções que participaram, também
marcaram época pelo estilo e até mesmo pelo figurino, inesquecíveis para muitas
gerações de torcedores.
Lev
Yashin, por exemplo, ganhou o apelido de “aranha negra”, não só por causa do
uniforme todo preto que utilizou durante o tempo em que jogou por um único
clube, o Dínamo de Moscou e na seleção russa, mas também por parecer ter quatro
ou seis braços para executar defesas inexplicáveis. Chamavam-no também de
“mago” ou ainda “bruxo” pelo fato de levar sempre a campo um amuleto indiano
que ganhou de presente de um amigo. Muito mais do que inovar no figurino,
Yashin foi um criador, o primeiro goleiro que ousou deixar a grande área para
tentar roubar a bola dos atacantes adversários.
Yashin
ganhou fama no futebol, enquanto outros brasileiros, além do talento, ganharam
títulos também. Gilmar, goleiro bicampeão brasileiro nas Copas de 1958 e 1962,
transformou-se em “mestre” para torcedores e especialistas. Foi o eterno modelo
de eficiência para muitos que escolhiam a ingrata tarefa de ser goleiro.
O
goleiro russo acabou inspirando de alguma maneira uma legião de talentos
brasileiros como Raul, Leão, Félix, Manga, Waldir Peres, Zetti, Ronaldo,
Taffarel, Dida, Marcos, Rogério Ceni e, porque não, o atual goleiro da seleção
brasileira, Júlio César. Cada um com seu estilo e figurino, cada um aprimorando
o que o outro não tinha. E assim se formou a tradição de uma verdadeira “escola
brasileira” de goleiros que teve ainda Castilho, Oberdan Catani, Jaguaré e
tantos outros.
Importar
goleiros também sempre foi uma tradição no futebol brasileiro e entre aqueles
que se consagraram existem exemplos como o argentino Agustin Cejas e o
uruguaio, Rodolfo Rodriguez, ambos protagonistas de defesas espetaculares. O
primeiro, na última fase de Pelé no Santos, o segundo, em 1984, quando realizou
na Vila Belmiro, uma sequência de defesas consideradas até hoje autênticos
“milagres”. Impossível esquecer-se de tantos outros nomes como dos uruguaios
Mazurkiewicz e Corb; dos argentinos Andrada, Fillol e Ortiz; e dos paraguaios
Aguilera e Benítez.
Cruzando
os mares outras figuras lendárias, homens que protagonizaram momentos quase
impossíveis. O inglês Gordon Banks, por exemplo, jamais foi lembrado pelas
dezenas de gols sofridos na carreira, mas pela defesa genial em uma cabeçada de
Pelé, na Copa de 1970. Em mais uma de suas jogadas de rei, Pelé fez tudo o que
se espera de um craque: subiu o máximo, testou a bola com olhos abertos, para o
chão, com toda força possível. Na trajetória, todos ficaram de pé para
comemorar mais um gol sensacional, mas Banks reverteu o final da história com
um salto espetacular, na linha do gol, deu uma tapa e jogou a bola por cima da
trave. Aquilo não era coisa de um mortal. Banks confessou tempos depois que
chegou a ouvir Pelé gritar gol antes de sua defesa genial.
Doze
anos depois desse lance histórico, foi a vez de um italiano entrar para a
galeria dos deuses da meta. Na Copa de 1982, falou-se muito do “carrasco” Paolo
Rossi, que acabou com o brilho de uma seleção inteira com os três gols marcados
sobre o Brasil, mas poucos são capazes de se recordar das defesas, algumas
quase impossíveis de Dino Zoff. E assim a história se repete. O carrossel
holandês, capitaneado por Cruyjff jamais se esqueceu do goleiro alemão, Sepp
Meyer, na Copa de 1974, assim como os italianos sempre irão preferir lembrar do
pênalti perdido por Baggio, do que das defesas fantásticas do brasileiro
Taffarel, na Copa de 1994.
A
prova de que um grande goleiro também tem o verdadeiro significado de ser 10, é
saber que Pelé, o homem da mística, adorava ser goleiro. Treinava para isso
porque na época em que começou a jogar, substituições eram proibidas e,
normalmente, um atacante era escalado para defender o gol. Jogou quatro vezes,
a primeira delas, no jogo em marcou o gol de número 999, contra o Botafogo da
Paraíba, no dia 15 de novembro de 1969. Dizem os críticos que Pelé teria ido
para o gol para poder marcar o milésimo no Maracanã, cinco dias depois, contra
o Vasco. Depois, foram 26 minutos contra o Comercial, em novembro de 1959;
quatro minutos contra o Grêmio, em 1964; e nove minutos no amistoso contra o
Baltimore Bay, em junho de 1973. Até como goleiro Pelé foi 10. Jogou, no total,
54 minutos sem sofrer nenhum gol.
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