Um livro obrigatório para quem quer encontrar justificativas
e explicações sobre o fascínio que o futebol exerce em pessoas espalhadas nos
quatro cantos do planeta, é A Dança dos Deuses – Futebol, Sociedade
Cultura, do professor Hilário Franco Júnior. Lançado em 2007, o livro
trás, além de toda a análise histórica sobre o futebol no mundo, reflexões
sensacionais pelo viés das metáforas sociológica, antropológica, religiosa,
psicológica e lingüística. Um bom aperitivo do que o mestre Hilário nos
oferece...
(...) de um ponto de vista friamente racionalista, ele (o
futebol) pode ser visto por quem não se emociona com ele como atividade
rudimentar de 22 pessoas que correm atrás de uma bola para chutá-la em direção
a uma grande gaiola. Mas essa estranha atividade atrai em quase todo o mundo
muitas centenas de milhões de pessoas. Alegra-se e sofre-se por ela, fala-se e
escreve-se cotidianamente sobre ela, algumas vezes briga-se e mesmo mata-se e
morre-se por ela. A maior prova do alcance e do enraizamento cultural daquela
atividade está no fato de que, embora ela envolva profundamente, de forma
direta ou indireta, larga porção da população ocidental, poucas vezes se coloca
a questão essencial: qual é o fascínio
do futebol?
Este deve ser buscado na apreensão intuitiva e emotiva
daquilo que o futebol transmite a cada um de seus adeptos: o reconhecimento
velado e indireto de que o futebol fala
da própria vida.
Talvez por isso Albert Camus, Prêmio Nobel de Literatura de
1957 e antigo goleiro do Racing Universitarie de Argel, tenha afirmado que “a
maior parte daquilo que sei da vida aprendi jogando futebol”. De fato, futebol
é metáfora de cada um dos planos essenciais do viver humano nas condições
históricas e existenciais das últimas décadas. Mais precisamente, é conjunto de
metáforas que deve ser visto na sua articulação, na sua complementação mútua,
exatamente – para usarmos nós também uma metáfora – como os gomos de uma bola
de futebol. Ou ainda como um mosaico que constrói com peças quantitativa e
qualitativamente diferentes (jogadores, técnicos, profissionais de várias áreas
médico-esportivas, árbitros, dirigentes, jornalistas, torcedores) a
imagem-síntese do mundo em que vivemos. Imagem que mostra tanto a realidade
externa (social, econômica, política) quanto a interna (anseios, medos,
frustrações, esperanças, alegrias). Como toda metáfora, uma coisa no lugar de
outra, o futebol é sentido antes de ser compreendido, e no entanto, como toda
metáfora, ele pode, e deve, ser também analítica e criticamente examinado.
(...)
Um especialista em comportamento animal e humano, professor
da Universidade de Oxford, Desmond Morris, interpretou o futebol como caça
simbólica que substitui a caça de sobrevivência dos primitivos, a caça
esportiva dos séculos seguintes e a caça sangrenta das arenas antigas. Ele
detecta vários elementos comuns àquela caça grupal e ao futebol: a estratégia
inicial, a tática durante a atividade, a cooperação necessária, o perigo que
correm os participantes, a perseguição ao animal e à bola, a concentração e a
energia requeridas, a habilidade específica e a imaginação rápida, o
sangue-frio, a visão e a mira, a motivação e a bravura. O futebol, continua
Morris, parece uma guerra, mas na verdade nele não se atacam os adversários e
sim sua meta, a “presa”. Trata-se de “caçada recíproca” na qual cada bando ao
mesmo tempo tenta impedir a morte simbólica de sua presa e matar a presa do
outro bando. Os espectadores sentem-se co-participantes dessa atmosfera tribal
realizando o esforço físico de gritar, cantar, estimular, sob sol ou chuva, em
local agreste, imensa construção feia e pouco confortável com um gramado no
centro onde ocorre a caça ritual. Embora o estudioso não explicite, sugere que
a caça ritual pode em certas circunstâncias tornar-se caça concreta ao adversário,
transformado em inimigo, em presa.
Fonte:
A dança dos deuses
Editora: Companhia das Letras, 2007
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