Ele escapou da sina dos filhos de
famosos que “dormem” na história familiar e construiu uma carreira sólida,
independentemente do sobrenome que carrega e que poderia lhe abrir muitas
portas em qualquer empresa. Mauro Beting é uma “figuraça”, gente boa demais e
extremamente competente em tudo o que faz. E olha que não é pouca coisa o que
este palmeirense fanático faz no seu dia a dia. Como consegue arrumar tempo
para tudo isso? Confira nessa entrevista imperdível...
“Sou um cara de madrugada.
Produzo melhor quando não sou
incomodado por nada.”
Literatura na Arquibancada:
Você escreve para vários veículos de comunicação. Como é o processo de
criação dessas colunas? Como é feita a apuração, a que horas escreve, enfim,
qual a rotina diária de produção?
Mauro Beting:
Estou no futebol desde junho de 1990.
Copa da Itália. Entrei direto como colunista na Folha da Tarde, que virou Agora
S.Paulo. Lá fiquei com coluna diária até outubro de 2006, quando fui para O
Lance!, onde escrevo pelo menos três vezes por semana. Ainda tenho blog no
Lancenet!. Mais coluna semanal no Yahoo!. Uma mensal na revista Fut! Mais
colaborações para outros veículos e, muita honra, cerca de seis ou sete
orelhas, prefácios e apresentações de livros de futebol, esporte, jornalismo
por ano.
Enfim, escrevo diariamente há 21 anos. E ainda suo todo dia. Para
fazer uma média, por semana, digamos, são sete textos. Um eu gosto. Outro
passa. Os outros cinco não gosto. Sou um cara de madrugada. Produzo melhor
quando não sou incomodado por nada. Mas adoro escrever com música. Ou mesmo
vendo futebol. Me ajuda ver uma bola rolando ou o som dela para escrever.
Dependendo do texto, e sou um cara que gosta de trabalhar com estatística e
dados históricos, a apuração demora mais. Uso alguns softwares, uma rede de
amigos, colegas e colaboradores, e, hoje, uma internet que não deixar mentir –
tanto. Tenho um ótimo acervo de livros, um excelente banco de imagens, um bando
de dados bastante complexo. Mas tudo, hoje, pode ser feito com a ajuda da
internet. Até mesmo para a captura mais rápida de imagens. E, sim, parte do
processo de apuração passa pelo meu trabalho em rádio (Bandeirantes), TV (Band,
Bandsports e Esporte Interativo) e, para resumir, nos quase 10 lugares onde
trabalho normalmente.
![]() |
Primeiro programa ZICO NA ÁREA, no ESPORTE INTERATIVO ao lado de Bebeto e Zico. |
Mas o essencial para cumprir essa pauta louca é não ter
rotina. Ela que estressa tanto quanto trabalhar com o que não se gosta. Como
sou apaixonado por tudo que faço, fica mais fácil me virar.
L.A:
Fale sobre seus livros. Como surgiram? (Bolas e Bocas e Os 10 mais do
Palmeiras)
M.B:
A pretensão de ter um texto
publicado como livro (não me considero “escritor”) vem de 2002. Coleciono
frases de futebol desde 1994. Tenho material para uns cinco livros. Mas
precisava do primeiro. Fui atrás de uma editora que não me deu bola. Quando a LeiaSempre me pediu um livro em dois
meses, ele estava praticamente pronto. Lancei Bolas & Bocas – Frases de
Craques e Bagres do Futebol em dezembro de 2003. Um phrase-book de futebol com gente do jogo
ou fora dele falando bem e mal do futebol. Ficou legal, até porque tem pouca
coisa minha. A bem dos fatos, tem quatro frases que são minhas. Mas botei na
boca de outras pessoas. Todas autorizaram. E são boas. Mas não era cabotino a
ponto de me citar.
Meu segundo livro é O dia
em que me tornei palmeirense, da Panda Books. Um projeto fechado do
Marcelo Duarte que, para mim, é obra de ficção. Não teve um dia em que me
tornei palmeirense – nem o do nascimento, porque já era uma poeira cósmica
verde. Mas, com a ajuda de dois grandes colegas, fizemos um manual
infanto-juvenil gostoso. Até porque o meu real trabalho foi contar a história
inicial. Real. Mas difícil de ser contada para um garoto de 12, 14 anos.
Apanhei. Mas ficou bom.
O quarto livro é outra encomenda.
Os
10 mais do Palmeiras, da Maquinária Editora. Escolhi 10 palmeirenses
que escolheram 10 ídolos. Fiz a biografia dos dez, com a ajuda de Fernando
Razzo Galuppo. Fizemos uma baita venda na noite de autógrafos na Saraiva do
Shopping Eldorado. O livro esgotou em uma hora. Estamos partindo para a
terceira edição. Da coleção, só perdemos para o Flamengo. O Palmeiras vende
muito bem.
O quinto livro é encomenda da
Contexto. As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos, obra-irmã
da do Milton Leite, que fala dos melhores times que o Brasil já teve. Eu e os
editores escolhemos sete seleções de Copas do Mundo. E fizemos um livro denso e
rapidamente, em pouco mais de três meses. Com a ajuda de dois caros
colaboradores: André Rocha e Dassler Marques. Mais o acervo de vídeos de
Gustavo Roman, pudemos ver e rever jogos da Hungria-54, Inglaterra-66,
Holanda-74, Alemanha-74, Itália-82, Argentina-86 e França-98. E mais um
capítulo só para internet com a Espanha de 2010. É um trabalho que me orgulho
muito, até pelo pouco tempo em que foi feito. A minha parceria com André Rocha,
do globo.com, se estendeu ao meu próximo lançamento, em novembro, pela Maquinária
Editora. 1981. Um livro que conta a trajetória do Flamengo campeão
mundial. Para não dizer de tudo no período de 1976 a 1983. Ideia e concepção do
André, eu entrei como coautor de um craque que é ele. O livro é muito mais dele
do que meu. E é o meu caminho atual. Parcerias. Esta semana mesmo estou
estudando um novo projeto ainda em sigilo. Tenho um trabalho para Ipad em
desenvolvimento. Duas autobiografias engatilhadas sendo escritas. E mais uma em
que fui convidado pelo Nasi. A dele. Fiquei muito feliz e honrado pelo convite
que me fez sair um pouco do esporte. Enfim, estou no sexto livro publicado.
Escrevendo mais três. E com mais dois projetos. E podendo dizer não a alguns
projetos já realizados. Um livro sobre Jornalismo, outro sobre história do
futebol. E mais prefácios e orelhas. Só esta semana escrevi três. Ah, sim, e
também assinei contrato para outro projeto histórico de livro a respeito do
Palmeiras. Outro que pretendo escrever a quatro ou até a oito mãos. É o jeito
para poder realizar outra paixão que estou entrando de cabeça. Vou corroteirizar
e codirigir três filmes do Palmeiras. No mínimo. Três filmes oficiais.
“Só
pode entender de futebol quem entende o torcedor”
L.A:
Como é o processo de produção e criação nesses casos?
M.B:
Variável. Nas biografias vou
estudando e escrevendo, lendo e escrevendo, vendo e escrevendo. E, quase
sempre, deixando entrevistas para o final. Gosto de tentar saber todas as
respostas para as perguntas que faço. Quero seduzir o entrevistado tentando
mostrar que sei muito dele e da história dele. É um jeito de ganhar confiança
para ir além. Por vezes, varo noite estudando e escrevendo. Até que dou uma
gelada no texto, fico semanas – quando possível – longe dele, para não me
contaminar, depois releio e mando bala. Consigo fazer muita coisa porque
escrevo muito rápido. Não necessariamente bem. Mas rápido. E, agora, conto com
um time excepcional de apoio. Confio demais em todos eles. Mas confio mais no
meu texto final. Ainda que alguns colaboradores que tenho entendem e escrevam
melhor do que eu, gosto de imprimir meu estilo ao final. Quanto à criação, meus
livros seguem o meu trabalho diário. Uma tentativa de equilibrar razão e
paixão, informação e, sim, torcida. Só pode entender de futebol quem entende o
torcedor. Como ele, incompreensível...
Trabalho diariamente em rádio,
TV, jornal, revista, internet. Gosto de fazer rádio mais que todos. Mas o que
me deixa mais orgulhoso é o texto escrito. E, mais ainda, um livro publicado.
L.A:
Você já participou de outras obras literárias. Cite algumas e qual sua
participação.
M.B:
Ah, sim, tenho outros textos em
coletâneas. Muitas, ainda bem, mas eu ainda gosto de dizer que tenho apenas
esses seis filhos. E quero ter muito mais. Entre os mais importantes, está um
livro do Antonio Carlos Napoleão sobre a rivalidade Corinthians-Palmeiras.
Outro a respeito de grandes jogos. Um texto no livro dos 100 gols do
Corinthians – o gol contra de Oséas, claro, em 1998. E muitos textos, como já
disse, de prefácios. Entre eles, os que mais gosto está em um de
Jornalismo Esportivo, do Celso Unzelte; outro num livro de goleiros, de Paulo
Guilherme. E o da história da revista Placar, de Márcio Kroehn e Bruno
Chiaroni.
![]() |
Primeira transmissão de Liga dos Campeões feita do escritório de Mauro Beting, para o Esporte Interativo. Zurich x Real Madrid. Com André Henning e Vitor Sergio Rodrigues. |
L.A:
Como colunista e estudioso do esporte, do que sente mais falta na
crônica contemporânea?
M.B:
Paixão pelo texto e pela crônica.
Vez ou outra cometo as minhas. E fico feliz quando elas repercutem
bastante. Porque são feitas com amor. De fato. Amor ao esporte. Amor ao
futebol. Aquele amor que não mede conseqüências e que a gente troca as bolas
misturando com o detestável clubismo e com o execrável bairrismo. Além, também,
de um maior apuro nas informações, e um respeito maior ao
consumidor-torcedor. Para não dizer ao próprio atleta e treinador. Quanto aos
cartolas? Em média, são tratados corretamente.
L.A:
Que tipo de livros gosta de ler (fora futebol) e se algum desses
autores o ajudou no estilo da escrita?
M.B:
Drummond sempre destrava. Até sem
querer. Como Machado de Assis. Luis Fernando Veríssimo é quem eu gostaria de
ser. Ou melhor, de escrever como. John Steinbeck é quem eu precisaria reler.
Mas não tenho tantos ídolos na área, não. Aliás, tenho muitos, o que faz
com tenha poucos, ao final das contas. Mas amo os ironistas e humoristas.
Todos. De Agamenon a Woody Allen. Passam tudo em poucas linhas, e com o humor
que é tão necessário quanto o amor. Ainda mais no futebol. Hoje, estou caçando
textos com humor.
L.A:
Quais os 5 livros nacionais e os 5 estrangeiros de sua preferência
(sobre futebol)?
M.B:
O Negro no Futebol Brasileiro,
de Mario Filho, definitivo. Futebol – A dança do diabo, de
Francisco Sarno. Quase todos os de Nelson Rodrigues e Armando Nogueira. A dança
dos deuses - Hilário Franco Júnior (com restrições, como todos).
Estrangeiros? Inverting
the Pyramids, de Jonathan Wilson, com restrições e senões; Futebol
e Guerra – Andy Dougan; Fever Pitch – Nick Hornby; Como o futebol explica o mundo;
e, me permita, incluir um sexto brasileiro – Coadjuvantes, de André
Piqueira. Por questões palestrinas, o Fever Pitch brasileiro.
L.A:
O que acha do atual mercado editorial sobre livros esportivos?
M.B:
Crescendo a um ponto que eu já
não consigo atender à minha demanda. Mas, como todo mercado, em breve satura. E
terá de sair pela tangente digital. Que ainda não tem o alcance real. Porém, é
maravilhoso ver muito TCC virando livro de qualidade, muito projeto engavetado entrando
no papel.
L.A:
É possível viver da publicação de livros esportivos no Brasil?
M.B:
Como Mauro Porco, e não Paulo
Coelho, posso dizer que não. Ainda que tenha vendido bem, não há como. Sei que
já tenho um nome legal na área, que estou expandindo em novas áreas e até
mídias, mas, infelizmente, não há como. Porque adoraria fazer mais uma série de
projetos que não tenho tempo. E, no caso, também como sinônimo de dinheiro. E,
uma pena: porque dois deles têm conteúdo educativo e pedagógico que dariam mais
que livros.
L.A:
Com a realização dos dois maiores eventos esportivos do planeta, no
Brasil, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, o mercado de livros esportivos deve
mudar?
M.B:
Deve crescer. Mas não mudar. Um
boom, sim. Mas que se esgota.
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