Por André Ribeiro
O último encontro com mestre
Luiz, como costumava tratá-lo, foi uma lição de vida. De São Paulo, quando
liguei para agendar um encontro com ele para o livro “Donos do Espetáculo –
Histórias da Imprensa Esportiva no Brasil”, como sempre, foi modesto: “Mas eu? Quem
sou eu para fazer parte deste time que você está escalando?”. Luiz parecia
querer evitar a entrevista, não por causa da deferência que era feita a ele de
integrar o time de profissionais mais experientes da imprensa esportiva
brasileira, mas por conta de seu estado de saúde. Como todo repórter, insisti,
dizendo que o papo seria breve e que ele, Luiz, não poderia ficar de fora de um
livro que pretendia contar a história da imprensa no Brasil. Apelo aceito,
toquei a campainha do apartamento 901, na Rua Aires Saldanha, em Copacabana, onde
morava havia anos. Já havia estado ali alguns anos antes, em 1998, para
entrevistá-lo para o livro sobre o Diamante Negro, pois Luiz, era o único
narrador ainda vivo que havia narrado um jogo do craque rubro negro. Diferente
desta vez, Luiz não atendeu a porta. Fui recebido pela assistente do lar que
recomendou que eu aguardasse. Ouvi de longe a conversa dela com Luiz, no quarto
que ficava no corredor.
Ao entrar no quarto, começava a entender suas razões
para evitar a entrevista quando liguei. Ele estava deitado na cama. Um cobertor
leve cobria-lhe o corpo. Nunca mais poderia esquecer daquele cenário. Na
cabeceira, ao lado da cama, ao invés de aparelhos ou remédios para ajudar na
recuperação de um doente, estava um aparato de aparelhos da rádio Globo que
permitiam a ele continuar a fazer seus comentários e transmissões. Na frente da
cama, um aparelho de televisão para assistir aos jogos que a rádio
transmitisse. E, claro, um microfone, instrumento que durante tantos anos ele
segurou. Sem graça, lancei um papo furado: “Poxa mestre, o que está
acontecendo?”. Luiz pediu para que eu me ajeitasse à beirada da cama. Estava
sorrindo, aquele sorriso que quem o conhece, jamais se esquece. Pegou em minhas
mãos, apertou-as com força e olhando nos meus olhos disse: “Entendeu agora
porque não queria que viesse aqui?”. Percebendo que nada daquilo pelo o que estava
passando estava o incomodando, fiz a pergunta: “Mas o que aconteceu?”. Luiz
relatou a cirurgia que havia acabado de fazer. Levantou o cobertor e mostrou-me
as ataduras que cobriam a perna com o pé amputado: “Diabetes”, disse ele.
Prontamente, Luiz se acendeu
para o que mais gostava de fazer: falar sobre futebol. “Então, do que você
precisa de mim?”. Não me senti constrangido em ficar ali, mesmo no estado de
saúde em que ele se encontrava, porque Luiz parecia feliz com tudo aquilo.
Ficamos ali por cerca de três horas conversando, histórias que me ajudaram
imensamente a construir meu livro. No final, pediu desculpas por não poder me
acompanhar até a saída. Pediu-me um abraço e uma recomendação: “não esqueça de
mandar um exemplar quando o livro ficar pronto”.
Aquele momento tornou-se
inesquecível para mim. Decidi, então, convidá-lo para escrever o prefácio do
livro e que mais abaixo você poderá conferir. Suas palavras elogiosas só me
trouxeram enormes lições, como a simplicidade e a gratidão por tudo recebido. Nunca encontrei palavras para agradecer-lhe este prefácio maravilhoso.
Também abaixo, leia um pouco
das histórias que Luiz contou, a mais marcante para mim, agora em seu momento
de partida é a cena do avião que dispara panfletos pelas praias cariocas
anunciando sua chegada ao rádio brasileiro. De onde estiver agora, com certeza
Luiz Mendes deve estar jogando panfletos novamente agradecendo por tudo que
viveu por aqui. E sorrindo, sempre... Fique com Deus mestre !!!
Luiz Pineda Mendes, gaúcho da
cidade de Palmeira das Missões, de 20 anos, desembarcou no Rio de Janeiro, a
capital da República, atrás de um objetivo.
Luiz Mendes, como ficou
nacionalmente conhecido, era apenas uma promessa da Rádio Farroupilha, de Porto
Alegre, e estava no Rio para transmitir a partida da Seleção Gaúcha contra a
Seleção Paulista. No Sul do país, soube da inauguração da Rádio Globo, e já que
estava por lá, não custaria nada tentar uma vaga na nova emissora. Luiz
procurou o locutor chefe da emissora, Rubens Amaral, um dos diretores da rádio,
exatamente em 2 de dezembro, dia da sua inauguração. O encontro aconteceu na
sorveteria Americana, que ficava ao lado do Hotel Serrador, entre as ruas
Álvaro Alvim e Senador Dantas, no centro do Rio de Janeiro. A primeira pergunta
de Rubens foi para saber se o garoto gaúcho tinha alguma experiência. Luiz
Mendes apresentou um crachá da Rádio Farroupilha e veio a pergunta: “Você é
locutor da Farroupilha?”. Luiz confirmou e recebeu o convite: “Então apareça
amanhã, às três horas da tarde”. O gaúcho saiu feliz da vida com a resposta e,
pontualmente, compareceu à emissora conforme o combinado, imaginando que seria
submetido a algum teste. E surpreendeu-se com o que ouviu: “Recebi o convite
para retornar no dia seguinte, novamente às três horas da tarde, só que dessa
vez, para começar a trabalhar no programa Chá das três, apresentado pelo
locutor Luiz de Carvalho. Minha missão era ler os textos comerciais da
produção”.
Luiz Mendes só não começou a trabalhar no esporte por causa de seu
sobrenome. É que na equipe esportiva da emissora trabalhava como comentarista
Alberto Mendes, que exigiu do chefe da equipe, Gagliano Neto, que o novato
gaúcho trocasse de nome. Luiz Mendes preferiu continuar a ler comerciais e foi
dessa forma que atraiu a atenção de um dos maiores anunciantes na Rádio Globo
da época.
Antonio Paraíso havia criado na
emissora a expressão “faixa nobre”, para designar o espaço dedicado aos grandes
programas, e Luiz Mendes tornou-se o favorito do dono da empresa A Exposição, primeira
loja de departamentos e uma das pioneiras dos crediários no Brasil, pela forma
com que narrava os textos da campanha comercial da empresa, especialmente o que
dizia: “Basta ser um rapaz direito
para ter crédito na A Exposição”.
O dono de A Exposição solicitou
então que Luiz Mendes lesse os comerciais durante as transmissões esportivas. No dia 1º de maio de 1946 houve a festa do trabalhador no
estádio de São Januário, com a presença do novo presidente da República, Eurico
Gaspar Dutra. O local estava entupido de tanta gente para ver Flamengo e
São Paulo. Gagliano Neto, além de chefe da equipe, era o locutor principal da
emissora. Faltavam poucos minutos para a partida começar e nada de Gagliano
chegar. Até que um telefonema revelou que o narrador estava com dois pneus de
seu carro furados em uma estrada de Petrópolis. Imediatamente, Luiz Mendes
prontificou-se a narrar a partida. Foi emocionante. Com apenas 22 anos, o jovem
gaúcho fez então a locução de um clássico repleto de estrelas como Nilton
Canegal, Norival, Biguá, Bria e Jaime do Flamengo; além de Luizinho, Sastre,
Remo, Leônidas e Teixeirinha, do São Paulo.
Naqueles tempos, as Organizações
Globo eram chamadas de Empresa Jornalística Brasileira, e no dia seguinte à
transmissão improvisada Luiz Mendes recebeu a proposta oficial de Roberto
Marinho, o todo-poderoso da empresa, para ser o locutor número um de futebol da
Rádio Globo. Segundo Luiz Mendes, Roberto Marinho confidenciou-lhe que estava
descontente com algumas atitudes de seu principal locutor: “Gagliano arrumava
anúncios para as transmissões e ele mesmo ia cobrar. Tirava a comissão dele e
aí pagava o da rádio”.
A estreia oficial de Luiz Mendes
nos microfones da Rádio Globo foi precedida de uma grande campanha publicitária,
de fazer inveja a qualquer marqueteiro da atualidade: “As praias do Rio de
Janeiro, especialmente em Copacabana, ficavam apinhadas de gente, metade da
cidade ia para as praias. Colocaram um avião soltando um boletim com os
seguintes dizeres: ‘Estréia na Rádio Globo o mais jovem locutor esportivo, Luiz
Mendes, o craque da palavra’”.
A literatura esportiva no Brasil
tem crescido satisfatoriamente nos últimos tempos. Até há poucos anos, contavam-se nos dedos as
obras que focalizam os esportes, embora a abrangência social que os jogos
esportivos alcançam, justifique plenamente que o assunto seja destacado da
forma mais ampla possível. Aos poucos, porém, foram surgindo escritores com a
coragem de assumir trabalhos dedicados principalmente ao futebol – maior paixão
popular do Brasil. Eu mesmo já me aventurei com duas obras e me considero
satisfeito com os resultados obtidos. Na minha trajetória de sessenta anos de
atividades em jornais, rádios e emissoras de televisão, cheguei a testemunhar a
presença de figuras importantes da literatura brasileira no meio da crônica
esportiva, numa demonstração de que respeitáveis nomes da nossa inteligência
também se deixam envolver pelas mesmas emoções vividas pelo povo do nosso país. O famoso escritor José Lins do Rego chegou a
ter uma coluna no Jornal dos Sports
do Rio de Janeiro que se intitulava Esporte
e Vida. O grande autor de Menino de
Engenho mantinha presença diária nas páginas do referido jornal. Nelson Rodrigues, o polêmico autor de Vestido de Noiva, não só escrevia
diariamente em diversos órgãos da imprensa nacional, como participava aos
domingos de uma mesa redonda na televisão, num programa que era comandado por
mim. O poeta Vargas Neto, considerado o
maior em poesias regionais do Rio Grande do Sul, autor de Gado Xucro e Tropilha Crioula,
não só publicava uma coluna de futebol na imprensa como foi, por muitos anos,
Presidente da então Liga Carioca de Futebol.
A chegada de gente ilustre das lides literárias brasileiras ao recinto da crônica esportiva valorizou a atividade, trazendo para o nosso meio uma importância que até ali não tínhamos. Isso despertou na juventude de nosso país o interesse pelo jornalismo esportivo e foram surgindo novos escritores com indiscutível valor profissional como é o caso do autor de Os Donos do Espetáculo, que escolheu o caminho das biografias e da história de alguns setores que fazem o suporte maior do futebol. Refiro-me ao jovem André Ribeiro que nos entregou duas preciosidades que foram os livros Diamante Negro, biografia de Leônidas da Silva e Fio de Esperança contando a vida de Telê Santana. Agora ele abre nova cortina nas janelas dos registros do mais popular dos esportes com este esplendido livro Os Donos do Espetáculo – Histórias da Imprensa Esportiva do Brasil. Penso que este livro servirá muito para todos os estudantes de comunicação que desejam ingressar no jornalismo esportivo. Como escola e como exemplo. Aqui figuram todos os nomes que nos pouco mais de cem anos da existência do futebol no Brasil, desde Charles Miller até os dias atuais, ajudaram a construir a grandeza futebolística do nosso país, a começar dos primeiros e tímidos passos e prosseguindo pela gloriosa conquista de cinco títulos mundiais. Sinto-me particularmente honrado por ter meu nome referido neste livro, principalmente por integrar um imenso exército de companheiros cujos serviços tanto ajudaram o Brasil a se tornar o mais importante país do mundo no mapa do futebol internacional. Sei que André Ribeiro não vai parar por aí. Será muito bom que ele continue a mostrar para todas as gerações de brasileiros, tudo aquilo que forma a frondosa árvore plantada um dia por Charles Miller e regada por tantos outros que a fizeram fecundar,crescer e se tornar eterna.
A chegada de gente ilustre das lides literárias brasileiras ao recinto da crônica esportiva valorizou a atividade, trazendo para o nosso meio uma importância que até ali não tínhamos. Isso despertou na juventude de nosso país o interesse pelo jornalismo esportivo e foram surgindo novos escritores com indiscutível valor profissional como é o caso do autor de Os Donos do Espetáculo, que escolheu o caminho das biografias e da história de alguns setores que fazem o suporte maior do futebol. Refiro-me ao jovem André Ribeiro que nos entregou duas preciosidades que foram os livros Diamante Negro, biografia de Leônidas da Silva e Fio de Esperança contando a vida de Telê Santana. Agora ele abre nova cortina nas janelas dos registros do mais popular dos esportes com este esplendido livro Os Donos do Espetáculo – Histórias da Imprensa Esportiva do Brasil. Penso que este livro servirá muito para todos os estudantes de comunicação que desejam ingressar no jornalismo esportivo. Como escola e como exemplo. Aqui figuram todos os nomes que nos pouco mais de cem anos da existência do futebol no Brasil, desde Charles Miller até os dias atuais, ajudaram a construir a grandeza futebolística do nosso país, a começar dos primeiros e tímidos passos e prosseguindo pela gloriosa conquista de cinco títulos mundiais. Sinto-me particularmente honrado por ter meu nome referido neste livro, principalmente por integrar um imenso exército de companheiros cujos serviços tanto ajudaram o Brasil a se tornar o mais importante país do mundo no mapa do futebol internacional. Sei que André Ribeiro não vai parar por aí. Será muito bom que ele continue a mostrar para todas as gerações de brasileiros, tudo aquilo que forma a frondosa árvore plantada um dia por Charles Miller e regada por tantos outros que a fizeram fecundar,crescer e se tornar eterna.
Espero que o dia que eu me for haja alguém que possa escrever alguma coisa assim. Como é bom ver textos com alma.
ResponderExcluirParabéns André. O blog está bárbaro.
André, gente como você honram a raça humana. Reconhecer o valor dos semelhantes é divino. Tenho orgulho em ser seu amigo e de ter tido o prazer de trabalhar com você.
ResponderExcluirE reafirmo o que disse acima a Katia Rubio: "Literatura na Arquibancada" já é uma das melhores coisas para ler na internet.
Abração,
Cesar
Brigadão César. Também me orgulho de sua amizade. Tento apenas olhar o mundo, ou melhor, as pessoas que fazem parte deste "mundinho" maluco como uma criança recém nascida: ingênuas, belas e cheias de amor para dar. Muita gente se esquece disso, mas eu faço força para acreditar sempre nesse olhar. Luiz Mendes me fez enxergar essa beleza no seu sorriso despretensioso, ingênuo e sincero.
ResponderExcluirabração
Kátia, minha querida professora. Você, sempre generosa. Espero que eu vá primeiro para poder ter suas palavras de conforto, pois você também sabe ver o mundo pelas pessoas e não pelo o que ele nos dá diariamente.
ResponderExcluirbjs